Uma das presenças que mais saltam à vista de quem caminha entre os pavilhões da cimeira do clima da ONU, que acontece até 12 de Dezembro no Dubai, são os adornos dos representantes de povos indígenas de todo o mundo. A probabilidade de falar português não é total, mas calhou a sorte quando o Azul meteu conversa com Maria Eva Canoé, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazónia Brasileira (COIAB). Ao seu lado, Eliane Xunakalo, do povo Bakairi, do Estado do Mato Grosso (no centro-oeste brasileiro), caminha mais despachada. “A gente está numa correria, né?” É a segunda vez que vem a uma COP, um momento importante pela repercussão para as vozes indígenas. “Estamos trazendo a realidade do nosso país, e principalmente estamos trazendo a defesa da nossa casa, que é a floresta.”
É com Eva que conversamos sobre esta que é a sua primeira vez numa COP. Como são estes dias com tantas coisas a acontecer? “É importante para trazer a voz dos povos indígenas, porque nós somos a voz da Amazónia. O planeta depende dos povos indígenas, porque somos nós que cuidamos desse planeta há muitos séculos”, relembra a representante dos povos indígenas dos Estados de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas. “Não pode haver nada relacionado com as mudanças climáticas sem a nossa participação.”
O que achou do discurso de Lula da Silva?
A minha visão é que os governos coloquem em prática aquilo que realmente prometem, que não se fique só no discurso, porque é preciso acções realmente concretas para que todos sejamos beneficiados. A posição dele é boa, é razoável. Mas é preciso fazer mais. É preciso realmente parar com o desmatamento, não só na Amazónia brasileira, como em outras regiões da Amazónia. Se continuar desse jeito, daqui a pouco todos estaremos vivendo num deserto. Não haverá mais vida nem para os povos indígenas e nem para a humanidade.
Como é esse mundo que a Eva luta para proteger? Como é o lugar onde vive?
Venho de Rondônia. No meu território ainda temos água um pouco saudável, temos ainda floresta. Mas acompanhamos a realidade de outros povos, faz parte dessa luta de defender a Amazónia, a nossa casa comum é preocupante. Lá no Brasil, a nossa luta de povos indígenas é pela defesa dos nossos direitos originais, da garantia dos nossos territórios, da nossa casa comum, que é o lugar onde nós queremos continuar a viver. A gente não está pensando no hoje, a gente está pensando no futuro e o futuro também é hoje, é o presente.
A gente tem que deixar algo de bom para as futuras gerações, porque senão vão conhecer o peixe, as árvores que nós conhecemos, apenas em museus. A gente não quer que isso aconteça. Como mulher indígena, como mãe, não quero que isso aconteça de jeito nenhum. A nossa defesa como povos indígenas é uma luta justa e é uma luta colectiva para o bem comum dos povos indígenas, mas também para o bem da sociedade não indígena. O bem viver dos povos indígenas é um bem viver diferente dos não indígenas, o bem viver dos povos indígenas é onde todos possam viver com igualdade. O bem viver não é onde você precisa tirar do outro para você ficar bem. Do que vale tanta riqueza? O bem viver da sociedade não indígena é diferente do bem viver dos povos indígenas. Sou de um povo que vive ainda em solidariedade. Sim, eu tenho o suficiente para o dia-a-dia.
Os povos indígenas têm costumes diferentes. O bem viver de que fala é o mesmo buen vivir, por exemplo, dos vizinhos da Bolívia?
O princípio é o mesmo, que tenhamos o suficiente para viver o nosso dia-a-dia, temos que ter qualidade de vida. O nosso povo ancestral vivia bem, eles comiam e bebiam todos os dias. Não passavam fome, não sabiam o que era fome e não destruíam. Hoje existe um progresso tão grande e muita fome no Brasil. Tudo é insuficiente.
Quais são as preocupações que trazem para esta COP28 enquanto colectivo?
Uma questão que não posso deixar de mencionar é a realidade dos Guarani Kaiowá. Estive lá, fui in loco levar um grupo de jovens para ver a realidade. Apesar das dificuldades na minha região, que é em Rondônia, na fronteira com a Bolívia, a gente ainda vive num pequeno paraíso. É pequeno, mas ainda é um paraíso. Os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, vivem numa extrema pobreza, não podem produzir porque não têm terra.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul