Em teoria, a COP28 tem apenas dois dias – segunda e terça-feira – para terminar a sua agenda oficial e fechar os trabalhos no Dubai. É claro que a realidade tem sido diferente: as cimeiras do clima da ONU começaram a estender-se primeiro por mais horas, depois por mais dias além dos agendados para atingir o consenso, à medida que os países procuram acordos com cada vez mais ambição. Este ano, contudo, Sultan Al Jaber, nomeado pelos Emirados Árabes Unidos para presidir à cimeira, parece determinado em que as negociações não se alonguem em demasia e, acima de tudo, que esta cimeira não termine sem um consenso – algo que não está garantido, como mostrou a promissora (e frustrante) COP15, em Copenhaga, em 2009.
Destacamos cinco pontos que tardam em avançar nestas negociações. Mas fica já uma frase da secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, que sintetiza o esforço actual: “Continuamos a trabalhar para que a linguagem seja uma linguagem que todos possamos aceitar, mas sem reduzir a ambição que nos trouxe aqui.”
Fim dos combustíveis fósseis
As negociações ainda continuam com muita dificuldade naquele que tem sido o tema mais quente da COP28: um eventual compromisso sobre o fim dos combustíveis fósseis. Ou do fim dos combustíveis fósseis “sem abatimento”, como defende a União Europeia. Ou nada disso, como ainda teimam muitos países que têm no petróleo, carvão e gás natural a sua principal fonte de riqueza. “É evidentemente uma das questões mais difíceis e é por isso que aqui estamos para conseguir encontrar uma linguagem comum”, diz Ana Fontoura Gouveia, que liderou a delegação portuguesa na primeira semana de trabalhos técnicos e continua a ser uma pivot essencial mesmo depois da chegada do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, que passou a chefiar a delegação.
Portugal tem estado numa posição privilegiada para mediar este enredo, já que, dentro da delegação da União Europeia, é um dos porta-vozes (ao lado da Alemanha) para levar as posições dos países do bloco às negociações com a presidência da COP28.
Com ou sem “abatimento”?
A União Europeia reconhece que as tecnologias que permitem capturar as emissões de carbono associadas aos combustíveis fósseis são ou muito caras, ou ainda inexistentes, como confirmou o recente relatório da Agência Internacional de Energia. As tecnologias de captura de carbono, ou “abatimento” (abated, em inglês), só devem ser usadas nos casos em que não existe outra alternativa, como na indústria do cimento ou a indústria química, onde é muito difícil eliminar por completo as emissões dos processos – “pelo menos com a tecnologia que hoje conhecemos”, nota a secretária de Estado.
No final da semana passada, foi noticiado que o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Haitham al-Ghais, enviou cartas aos 13 membros da organização, que incluem países como a Arábia Saudita, o Irão, o Iraque e a Nigéria, apelando a que “rejeitem proactivamente qualquer texto ou fórmula que vise a energia, ou seja, os combustíveis fósseis, em vez das emissões”. A carta, num tom de urgência, avisava que “a pressão contra os combustíveis fósseis pode atingir um ponto de ruptura com consequências irreversíveis”.
Adaptação
A adaptação, um dos grandes pilares da transição climática, continua a ser não apenas o ponto mais esquecido em termos mediáticos, mas o que menos resultados tem conseguido em termos transversais nas negociações. Este pilar abrange as medidas para reduzir o impacto das alterações climáticas que já estão em curso – e há países que já sentem na pele, todos os dias, os efeitos das alterações climáticas.
“Conseguimos concretizar o fundo de perdas e danos no primeiro dia da COP, mas sabemos que não chega”, reconhece Ana Fontoura Gouveia. Os países mais vulneráveis continuam a solicitar mais apoio para os processos de adaptação, mas para já tem sido difícil sequer acordar o que deve ou não ser incluído nas medidas de adaptação, que se tornam então elegíveis para receberem esse financiamento. Também o Global Goal on Adaptation e a meta de duplicação do financiamento para adaptação estão pendurados. “Está a andar no trabalho técnico, mas evidentemente que todas as negociações são um equilíbrio entre aquilo que são objectivos de mitigação, objectivos de adaptação e financiamento”, explica Ana Fontoura Gouveia.
Financiamento
A COP28 começou em grande, com um acordo sobre o fundo de perdas e danos, mas os entendimentos ficaram por aí. Até agora, pouco mais avançou no que toca às questões do financiamento. Afinal, como é que se vai pagar pelos ambiciosos planos de transição energética? Apesar de necessários, a verdade é que muitos países em desenvolvimento não têm margem orçamental para investir em renováveis ou na adaptação do território para resistir às alterações climáticas. Além disso, há outra barreira a este desenvolvimento: as suas dívidas públicas (muitas delas históricas) fazem com que seja muito mais caro para estes países pedir empréstimos para estes investimentos do que para países mais desenvolvidos.
Na última semana, têm sido vários os compromissos assumidos por diversos países em termos de doações para diferentes fundos – reduzir o metano, aumentar as renováveis, transformar os sistemas alimentares – mas pouca tem sido a vontade de incluir isso numa declaração que os obrigue a continuar a contribuir.
Afinal, é desta que uma COP termina a horas?
“Estamos todos a trabalhar para termos mais dois dias de discussão e conseguirmos encerrar os trabalhos”, afirmou a secretária de Estado, recordando que “estamos aqui há mais de uma semana e 197 países a procurar encontrar uma solução por consenso”. “É obviamente uma tarefa difícil, mas há uma consciência de todos que a ciência é muito clara. Temos de agir, temos de agir agora”, afirma.
Para todos os efeitos, garante, “estamos a planear terminar dentro daquilo que é o calendário”. Os dias são passados, explica a governante, em reuniões bilaterais e em plenário, com equipas técnicas e equipas políticas. “Mais importante do que cumprir o calendário será cumprir os objectivos que aqui nos trouxeram”, sublinha Ana Fontoura Gouveia. A preocupação, continua, não é “se teremos de ficar mais um ou dois dias”, mas que “a decisão final reflicta a nossa ambição conjunta de atingirmos o pico das emissões até 2025 e conseguirmos eliminar os combustíveis fósseis até 2050”.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul