Junta da Andaluzia admite comprar água a Portugal para dar de beber às populações

Água será fornecida por Alqueva, enviada para o porto de Huelva e transportada de navio para suprir o consumo humano onde a escassez hídrica é mais acentuada. É uma solução de último recurso.

Foto
Falta de água na Andaluzia Nuno Ferreira Santos
Ouça este artigo
00:00
04:28

A precipitação atmosférica continua a não querer nada com as regiões do sudoeste da Península Ibérica, onde a falta de água já está a expor situações dramáticas associadas à escassez extrema de recursos hídricos.

A chuva das últimas semanas e dos temporais que flagelaram a Península Ibérica no mês de Setembro revelaram-se insuficientes e os níveis de vários reservatórios da região andaluza continuam a diminuir, apresentando na última semana uma capacidade média de 20%, confirmando-se, em pleno mês de Dezembro, que a seca é estrutural.

O conselho do governo regional da Andaluzia, antecipando cenários que têm tudo para ser dramáticos, já admite a compra de água a Portugal para socorrer as comunidades da região espanhola que deixarão de ter reservas de superfície e nos aquíferos subterrâneos se não chover o suficiente nos próximos meses.

Foto
Fotografia de drone do reservatório de Guadalteba, na Andaluzia, tirada em Maio deste ano Nuno Ferreira Santos

Esta possibilidade foi admitida a 5 de Dezembro pelo governo autónomo da Andaluzia, em complemento da estratégia “Seca Plus”, que o Ministério da Agricultura, Pescas, Águas e Desenvolvimento Rural (MAPADR), liderado por Carmen Crespo, vai aplicar para garantir o abastecimento de água às populações das zonas mais afectadas pela seca.

A informação divulgada pela Junta da Andaluzia e consultada pelo PÚBLICO salienta que a compra de água do Alqueva é uma solução de “último recurso” e que passa pela utilização de navios com capacidade para transportar 40 mil metros cúbicos de água potável ou 100 mil metros de “água bruta”, sem tratamento.

Se no próximo Verão “continuarmos a ter dificuldades com a qualidade da água” nas poucas reservas que ainda possam subsistir, “teremos de usar barcos” para abastecer as populações que se encontram numa situação crítica, frisou Carmen Crespo.

Infra-estruturas de emergência

Contudo, a Junta da Andaluzia está a construir infra-estruturas de emergência para evitar o recurso à utilização de água transportada a partir de Portugal, recorrendo à abertura de furos artesianos para extrair água de poços previamente localizados, e que tenham recursos de boa qualidade, para ser fornecida às comunidades que dela necessitem. Esta solução poderá vir a implicar um investimento calculado em seis milhões de euros.

Para além da abertura de furos, está ainda programada a instalação de centrais de dessalinização e a reutilização de água proveniente das estações de tratamento de águas residuais.

Foto
O sul de Espanha tem sido afectado por secas intensas Nuno Ferreira Santos

Não é a primeira vez que esta opção é tomada. Na seca que ocorreu em 1995, as autoridades andaluzas já tinham recorrido à utilização de navios para transportar água de Huelva para a região de Cádis.

As contas entretanto feitas pela Junta da Andaluzia concluem que um barco que transporte 40 mil metros cúbicos de água abasteceria uma população de 200 mil habitantes durante um dia, admitindo-se que o consumo seria de cerca de 200 litros por dia por pessoa, embora em situação de seca o abastecimento possa vir a ser reduzido para 90 litros por habitante. Carmen Crespo referiu que “as zonas mais críticas onde esta medida seria utilizada” são a costa de Málaga e o Campo de Gibraltar.

Recorrer à utilização de barcos para o transporte de água “é a medida mais extrema” para o pior cenário de seca do plano apresentado pelo executivo andaluz e também a mais cara: transportar água por barco custaria até 10 milhões de euros por mês.

A possibilidade de transportar água em barcos foi anunciada pelo presidente da Junta da Andaluzia, Juan Manuel Moreno, durante o seu discurso no debate sobre o estado da comunidade autónoma, ao propor a adaptação dos portos de Algeciras e Málaga para "poderem receber navios que transportem até 100 mil metros cúbicos de água se a situação a tal nos obrigar”, salientou o chefe do executivo andaluz.

A água é captada no Pomarão, na confluência do rio Chança com o rio Guadiana, no chamado sistema de Bocachança, e depois segue por uma rede de canais a céu aberto e ligações subterrâneas até ao porto de Huelva.

A decisão de solicitar água a Portugal a partir da barragem do Alqueva, desta vez destinada ao consumo humano, vem na sequência de outro pedido das associações de agricultores de Huelva, que em Outubro apelaram à solidariedade lusa para que Portugal aceitasse transferir 100 hectómetros cúbicos de água para garantir a produção agrícola nos cerca de 40 mil hectares regados, a actividade mineira e o turismo na região.

O volume de água armazenado nas duas maiores barragens instaladas na região de Huelva (Chança e Andévalo) não tem beneficiado das últimas chuvadas. Dos cerca de 1000 hectómetros cúbicos que as duas reservas podem acumular, nos dados publicados pela Confederação Hidrográfica do Guadiana para a semana que mediou entre 27 de Novembro e 4 de Dezembro, a água armazenada nas duas albufeiras era de apenas 300, o que representa 30,8% da sua capacidade máxima.

Espera-se pelos resultados das próximas semanas para se saber se os barcos aportam em Huelva para receber água do Alqueva que será destinada a abastecer as populações que sofrem as consequências da explosão descontrolada do regadio e da seca estrutural que já não é possível negar.