Da (in)competência do Tribunal Arbitral do Desporto

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1. Foi tornada pública uma decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 13 de Novembro, relativa ao processo n.º 13/2023, que teve por base uma demanda sui generis. Com efeito, simplificando, a Federação Portuguesa de Aeronáutica, neste momento sem o estatuto de utilidade pública desportiva, veio pedir ao TAD, em processo de arbitragem necessária, entre outras solicitações, que “Obrigue o Aero Club de Portugal a comunicar à FAI – Fédération Aeronautique Internationale, por correio registado e/ou por correio electrónico, com conhecimento ao Requerente (FPA), a sua desfiliação imediata como Membro Activo (Active Member) daquela federação internacional”.

2. Compreende-se a intenção. Na verdade, para que uma federação desportiva venha a alcançar o estatuto de utilidade pública desportiva, torna-se necessário que a mesma se encontre integrada na respectiva federação internacional, daí recolhendo o “poder desportivo”. Se, como no caso, tal filiação se encontra nas mãos de outra entidade – o Aero Club de Portugal – tal obsta à concessão daquele especial estatuto.

3. O TAD, e bem, entendeu que não tinha competência para conhecer deste muito especial pedido, em sede de arbitragem necessária. Analisando as normas da lei do TAD sobre a sua competência, em particular o artigo 4.º,afirma a dado passo: “A arbitragem necessária do TAD incide, pois, sobre uma delimitação dos litígios relacionados directa ou indirectamente com a prática do desporto, através da densificação do conceito, mais delimitado, de litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo; o que também logicamente significa que aqueles litígios decorrentes da relação associativa só poderão ser objecto dessa arbitragem necessária se puder considerar-se que igualmente relevam do ordenamento jurídico desportivo”.

4. Adianta: “A competência do TAD em sede de arbitragem necessária, relativa necessariamente aos litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo, reconduz-se aos litígios emergentes dos actos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito dos correspondentes poderes de regulamentação, organização e disciplina; poderes esses que deverão ter natureza administrativa […].

5. Remata o TAD: “Parece-nos, pois, inquestionável que, à luz do elemento literal do normativo em causa, a arbitragem necessária apenas se poderá equacionar no quadro das competições desportivas. No caso dos presentes autos estamos fora de um recurso de um qualquer acto do órgão de disciplina ou do órgão de justiça das federações desportivas, bem como de qualquer decisão final de órgão de ligas profissionais e de outras entidades desportivas. Por outro lado, não se encontra demonstrado nos autos que estejamos perante uma omissão de outra entidade desportiva, no âmbito dos respectivos poderes de regulamentação, organização e disciplina, poderes esses que deverão ter natureza administrativa, ou seja, um cunho público. “Por conseguinte, tudo milita a favor da conclusão de que, no presente caso, não estamos no âmbito de um litígio que releve do ordenamento jurídico desportivo ou que esteja relacionado com a prática do desporto, resultante do exercício (ou omissão) de poderes de natureza administrativa no domínio dos respectivos poderes de regulamentação, organização e disciplina de outra entidade desportiva.”

6. Se nos parece certeira, na generalidade, esta leitura, não se compreende, então, que o TAD tenha vindo a declarar-se competente para apreciar decisões de órgãos das associações distritais e regionais de modalidade, entidades que, no quadro legislativo ou por ato administrativo, não apresentam nenhum “cunho público”.

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