Portugal, o bom aluno das metas climáticas
Em plena cimeira mundial do clima das Nações Unidas no Dubai (COP28), foram vários os destaques que o primeiro-ministro evocou relativamente ao cumprimento de Portugal perante as metas assumidas pelo Acordo de Paris, em 2015 e posteriormente revistas: acelerado desenvolvimento das energias renováveis tendo como objectivo ter, até 2030, 85% da energia de produção com origem em renováveis, prevendo alcançar a neutralidade carbónica até 2045. A grande meta é – e sempre foi – a transição energética, como oportunidade e justificação de investimento em renováveis e tecnologia verde.
A ambição é grande e os passos dados são positivos: Portugal é visto como um bom aluno no cumprimento de metas que, embora longe do assumido em 2015 pelo Acordo de Paris, é significativo no que toca aos restantes parceiros europeus. A narrativa política continua com a transição energética, praticamente como sinónimo de uma transição ecológica, como se a ecologia se resumisse apenas ao problema energético e o combate às alterações climáticas passasse apenas por um incentivo em renováveis e tecnologias verdes, como oportunidade geradora de novos empregos.
A este propósito, e como corolário de uma transição ecológica, a criação recente – e muito bem – do Parque Natural Marinho da Pedra do Valado, no Algarve, é dado como exemplo do compromisso assumido para com as metas de conservação decorrentes do Acordo Global para a Biodiversidade. Aliás, esta criação foi a oportunidade para chamar a atenção para a importância dos oceanos no combate às alterações climáticas, antecipando para 2026 a meta de classificar 30% da área marinha.
A ambição é grande até porque, apesar destes esforços, estamos ainda bem longe de cumprir os objectivos em tão curto espaço de tempo. Mesmo que o governo conte com a academia no apoio à definição dos critérios para atingir as metas de conservação, os cientistas debatem-se com falta de investimento para obterem conhecimento científico sobre o oceano aberto, os fundos marinhos e as relações que se estabelecem num sistema sempre em mobilidade e numa situação de alterações climáticas. Por isso, é assustador pensar que perante o objectivo de triplicar a capacidade de renováveis e duplicar a eficiência energética o incentivo dos fundos estruturais seja direccionado às eólicas, nomeadamente, “offshore”.
No território terrestre a situação é um pouco diferente: Portugal está nominalmente próximo de atingir as metas, numa caminhada iniciada há mais de 50 anos com a criação da primeira área classificada. De acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) atingimos já a meta dos 30% em território continental, tendo incluído neste cômputo as Reservas da Biosfera. Para além de se desconhecerem os critérios usados e das dúvidas que representam essa inclusão, grande parte do território contabilizado não se encontra nos melhores estados de conservação e não possui planos de gestão adequados ao estatuto político para o qual foram nomeados. Também neste domínio terrestre, há desconhecimento, por parte dos ecólogos, dos mecanismos de decisão e de colaboração em vigor entre autoridades nacionais de conservação da natureza e academia, para além da falta de atenção, por parte das autoridades, aos avanços científicos conseguidos pelos ecólogos.
A necessidade de aumentar a capacidade de renováveis e assumir a transição energética como grande objectivo de estado vai, no entanto, pressionar as comunidades a aceitarem a adulteração de paisagens e desvalorizar a salvaguarda da biodiversidade. É esta “necessidade” de bom cumprimento que levou à recente legislação do “Simplex Ambiental” e ao “assalto” à Reserva Ecológica e Reserva Agrícola Nacional (REN e RAN, respectivamente). A estes problemas junta-se ainda a busca do “ouro branco” (lítio), necessário para o aumento da eficiência energética, que avança paulatinamente como investimento prioritário.
Esquece-se rapidamente a necessidade de uma transição ecológica. O Acordo Global para a Biodiversidade é colocado numa gaveta e os projectos de interesse público nacional tomam forma de lei. Esquece-se mais uma vez que o combate às alterações climáticas não pode, nem deve ser feito sem ter em consideração a preservação dos ecossistemas, como nossos aliados para minimizar os efeitos que estamos e iremos sentir mais intensamente.
Cabe aos ecólogos mostrar que o seu conhecimento científico transversal, embora muito pouco considerado, deve ser colocado ao serviço público para apoiar a implementação de projectos de forma compatível a minimizar os riscos ambientais, tendo em conta os impactes sociais. Mas para isso, as autoridades devem estabelecer as parcerias com a academia, com os cientistas, para permitir uma maior capacidade de monitorização e fiscalização. A salvaguarda do planeta devia estar num patamar superior aos interesses económicos e financeiros. Não devia ser uma utopia.