Médico diz que declarações do PR podem condicionar audições na IGAS

Neuropediatra de Santa Maria que denunciou o caso das gémeas acha “extremamente inconveniente” conferência de imprensa de Rebelo de Sousa no dia anterior a declarações de médicos na auditoria.

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Nuno Ferreira Santos
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O neuropediatra do Hospital Santa Maria Levy Gomes, que denunciou o caso das gémeas luso-brasileiras, diz que a conferência de imprensa do Presidente da República pode ser interpretada como uma tentativa de condicionamento do depoimento dos médicos à Inspecção-Geral da Saúde.

"Aquele dia foi a véspera em que fomos prestar declarações na auditoria. Acho extremamente inconveniente porque pode parecer um condicionamento das nossas respostas", respondeu o neuropediatra Levy Gomes, numa entrevista na quarta-feira à noite à CNN Portugal.

O caso das gémeas foi revelado numa reportagem da TVI, transmitida no início de Novembro, segundo a qual as duas crianças luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma, — um dos mais caros do mundo — para a atrofia muscular espinhal, que totalizou quatro milhões de euros.

Segundo a TVI, havia suspeitas de que isso tivesse acontecido por influência do Presidente da República, que negou qualquer interferência no caso.

Sobre o email que enviou ao Presidente da República (PR) a alertar para a intervenção do filho de Marcelo Rebelo de Sousa neste caso, e que o PR disse não ter sido encontrado, Levy Gomes diz que já o entregou às autoridades.

"À IGAS [Inspecção-Geral das Actividades em Saúde] entreguei os emails que troquei com o professor Rebelo de Sousa, entreguei os e-mails que troquei com o Dr. Luís Pinheiro [na altura director clínico do Santa Maria], dois ou três, e entreguei a célebre carta que desapareceu", contou, numa alusão à carta que os médicos escreveram na altura ao então director clínico do Santa Maria.

Sobre o email enviado ao PR, afirmou ainda: "Ele pode estar descansado que não vou divulgar nenhum email, excepto se houver mentiras".

Na mesma entrevista, o médico diz que não sabia que o Hospital D. Estefânia tinha recusado o tratamento das gémeas [por motivos clínicos] e que, se tivesse sabido, isso o faria "pensar três vezes".

Considerou ainda mais estranho que com a nega do Hospital D. Estefânia, o Santa Maria tenha dado o tratamento às duas crianças e acrescentou: "Confio imenso no meu colega da Estefânia. Tínhamos de analisar muito bem e conversar com ele, até pedir uma reunião conjunta, porque é assim que as coisas se fazem".

Sobre o facto de a família das gémeas dizer agora que não conhece o filho do Presidente da República - que considerou "muito interventivo" neste caso - o médico sublinhou: "Se a pessoa diz que não o conhece a coisa é muito mais grave ainda".

"A que título a pessoa vai intervir? Ou é um coração de ouro, um homem fabuloso, amigo de todos os pedintes que ele encontra na rua e tenta solucionar os casos, ou então tem de se perceber, tem de se falar com ele e perguntar porque é que se interessou tanto por este caso não conhecendo ninguém na família", afirmou.

O director de serviço de Neuropediatria de Santa Maria é taxativo e diz que quem recebeu as alegadas pressões e as fez cumprir foi o director clínico de então, Luís Pinheiro, que será ouvido pela IGAS esta quinta-feira.

"Ele é a pessoa chave porque ele é que sabe tudo. Ele é o pivô entre o Ministério [da Saúde] ou entre o Dr. Rebelo de Sousa pai, o Dr. Rebelo de Sousa filho. Ele é quem recebe a mensagem, que a transmite à minha directora e a minha directora marca a consulta", explicou.

O caso está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, pela IGAS e é também objecto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria.