Capão de Freamunde: “Os galos capados não se distraem com as galinhas”
António Carneiro é um dos mais jovens guardiões da tradição secular do Capão de Freamunde. A genuinidade da origem e o sabor e textura únicos das suas carnes são garantidas pela certificação IGP.
O sabor é inigualável, porque depois de lhes serem tiradas as “alegrias” as suas carnes se tornam mais macias, suculentas e apetitosas. Aos capões retiram-se-lhes os testículos por volta dos três meses, e com isso não só perdem o pio como passam a concentrar todas as energias na alimentação.
“Os galos capados não se distraem com as galinhas, saciam-se pela comida, é a comer que libertam as energias”, explica António Carneiro, um dos mais jovens criadores de Freamunde. É nesta vila do concelho de Paços de Ferreira que há séculos reina o capão, e com ele a tradição do assado natalício com batatinhas e grelos.
Como António, haverá actualmente sete a oito dezenas de criadores, que no início de Dezembro os levam à feira de Santa Luzia, por isso mesmo celebrada como a “feira dos capões”. São eles os guardiões desta tradição de que há registos desde a Idade Média, mesmo que a instituição oficial deste mercado anual tenha surgido apenas em 1719, por decisão régia de D. João V e ditada pelo evidente propósito de cobrança de impostos.
"Cinco dias depois da Conceição / quando cresce a noite e minga o dia / é a festa de Santa Luzia" — assim impõe a tradição a data de 13 de Dezembro para a feira do capão em Freamunde. E com ela a Câmara Municipal de Paços de Ferreira tem promovido também nos últimos tempos um concurso para eleger O Melhor Capão Vivo e a Semana Gastronómica do Capão à Freamunde, a decorrer de 1 a 13 de Dezembro nesta 18.ª edição que conta com a adesão de mais de uma dezena de restaurantes.
Para o jovem criador, os capões são sobretudo um orgulho de família. “São uma tradição antiga, já a minha avó criava e minha mãe também sempre teve, aqui em casa sempre houve capões”, conta o homem que faz vida como empresário na área dos electrodomésticos mas que não esquece o cuidado dos capões na sua agenda diária.
“Venho soltá-los por volta das nove da manhã e quando começa a escurecer é preciso fechar a capoeira. Não dão muito trabalho, o fundamental é que tenham sempre milho com fartura para comer, muito milho é fundamental, mas também verduras e pão embebido em água que recolho nas panificações. Durante o dia vão-se alimentando também das couves e ervas que têm por aí”, descreve, apontando para a parcela vedada, com árvores de fruto e em parte coberta por ramada de vinha por onde se espraiam os galináceos.
Umas duas dezenas, que logo chamam a atenção pela envergadura imponente, porte garboso, penugem sedosa e brilhante. “Costumo ter mais, normalmente uns 40, mas no ano passado acabaram por morrer alguns depois de serem capados. Foi um ano difícil, estou convencido que por causa das temperaturas elevadas, e este ano decidi ter menos. Mas todos muito bonitos, como se vê!”
São animais que levam uns nove meses de criação até atingirem o porte e envergadura ideais. A fase mais sensível é depois da capadura, por volta dos três meses. A operação está a cargo da dona Sãozinha, uma vizinha com mais de 50 anos de experiência e fisionomia adequada.
“É preciso ter a mão pequenina, para poder retirar os testículos sem ferir outros órgãos. Basta uma ligeira torcedura e soltam-se, mas é grande o risco de não saírem na totalidade ou de ferir os pulmões, que estão muito próximos”, explica o criador. A mão entra por uma pequena incisão, oito a dez centímetros, mas nos dois dias anteriores o animal deve ingerir apenas água, para que tenha o papo vazio na altura da operação.
A par das “alegrias”, também se corta a crista ao galo. “É para se ter a certeza de que a operação ficou bem-feita. Se a crista depois voltar a crescer é porque o galo ficou mal capado, vamos ter um ‘rinchão’”. Também o pescoço, que deve ser amarelinho, começa a ficar avermelhado, que é sinal de virilidade, vai andar atrás das galinhas, conclui o criador.
António Carneiro é um dos criadores já certificados, todos os seus capões têm a anilha que identifica os 392 animais que este ano foram registados como IGP - Identificação Geográfica Protegida como Capão de Freamunde. A par de Freamunde, a classificação, registada desde 2015, abrange todo o concelho de Paços de Ferreira e ainda seis freguesias do município vizinho de Paredes e outras tantas de Lousada.
Além da classificação, para o próximo ano a Associação de Criadores de Capão de Freamunde espera ter já também a funcionar uma sala de abate, completando assim todo o processo de garantias para os consumidores sobre a origem e qualidade dos capões de Freamunde, uma espécie de rei Eunuco da nossa gastronomia, ao qual se retiram as “alegrias” para nosso contentamento e satisfação.