Antes de 7 de Outubro, o Instagram de Bisan Owda era semelhante ao de qualquer outra criadora de conteúdos de 25 anos: selfies no espelho, comida, paisagens, e vídeos que mostram como é ser palestiniana — o que, na verdade, a diferenciava dos outros criadores de conteúdos, que não têm de explicar o que são colonatos.
Depois de 7 de Outubro, mantêm-se apenas os últimos. Mas o cenário é muito diferente. E uma criadora de conteúdos teve que se fazer jornalista para os três milhões que agora a seguem.
Bisan é videógrafa e tem vindo a documentar o ataque de Israel a Gaza. O seu nome, a par com o de Motaz Azaiza, Mohammed Al Masri ou Saher Alghorra, tornou-se constantes nas redes sociais daqueles que têm procurado saber o que está a acontecer no território palestiniano em directo — numa altura em que, segundo o Comité para a Protecção dos Jornalistas, 57 jornalistas já foram mortos. As contas do Hamas sobem este número para 73.
Pode ser fácil esquecer que, além de reportar, também eles têm de tentar comer, cuidar, sobreviver. Bisan lembrou o mundo disso mesmo este fim-de-semana, ao publicar uma mensagem que soa a despedida: “Já não tenho qualquer esperança de sobreviver como tinha no início deste genocídio, e tenho a certeza que vou morrer durante as próximas semanas, ou até dias”, começa.
Na altura da publicação, a jornalista disse estar doente com uma virose que não lhe permitia “levantar-se do colchão”. A Organização Mundial da Saúde alertou que as doenças poderão matar mais pessoas do que os bombardeamentos se o sistema de saúde não for reconstruído.
Bisan lamentou ainda a “aprovação e financiamento do mundo” e agradeceu aos que “em todo o mundo apoiam” a Palestina. “Pedimos que não percam a esperança, ainda que o mundo pareça injusto e que os vossos esforços não tenham ainda resultado num cessar-fogo.”
Nas últimas horas, Bisan voltou a publicar. Vídeos onde se ouvem bombas a cair, relatos de como o exército israelita está a atacar o sul de Gaza, numa zona que diz ser junto a um hospital.
No início do ataque de Israel, e depois de a sua casa ter sido bombardeada, Bisan deslocou-se para o hospital Al-Shifa, que também foi bombardeado pelas forças israelitas. A 10 de Novembro, contava como estava a caminhar há duas horas para o Sul, com “tudo o que conseguia levar” consigo. “Não posso voltar para a minha casa, não tenho nenhum sítio para ir, vou para o desconhecido.”
Antes da guerra, Bisan trabalhou com as Nações Unidas como membro do Youth Gender Innovation Agora Forum, e é embaixadora da Boa Vontade da União Europeia. Em Novembro último, foi acusada pelo Jerusalem Post de pertencer à “equipa de propaganda do Hamas”.
No perfil de embaixadora da UE, lê-se que Bisan, que queria ser astronauta quando era criança, acabou por se apaixonar por literatura e "pelo poder das histórias". Foi assim que começou a mostrar a cultura e herança palestiniana através de vídeos. "Gosta de ler, de mergulhar nas páginas de romances. É jogadora de basquete, e é no campo que o seu amor pelo jogo se cruza com a determinação de vencer."
Continua a tentar mostrar ao mundo o que acontece em Gaza, numa altura em que já foram mortas mais de 15 mil pessoas. E os seus seguidores fazem questão de lhe dizer que, todos os dias, vão ao seu perfil verificar se ela não é mais uma.