Capital natural em Portugal
E, entretanto, chegou mais uma COP, a 28.ª, em que nada de significativo ou novo se vai passar. Não pode ser diferente.
A contingência geológica e o contexto geográfico conferem a Portugal um património natural único e de grande valia, normalmente ignorado. Muitas vezes não damos por isso mas rodeia-nos uma enorme geobiodiversidade.
Apesar de tudo, a muito maltratada natureza em Portugal (fogo, seca, alteração climática, mau ordenamento do território…) continua a ser o maior dos nossos patrimónios. Provavelmente, é por isto que se vive bem por cá. É curioso sabermos que nas línguas indígenas a palavra cultura não existe, este conceito está associado a natureza/natural. Como todas as pontas se tocam, o nosso rico património natural justifica o reconhecido e diverso património cultural que nos caracteriza e identifica. Se juntarmos ao contexto, em cima brevemente listado, a forma absurda como a tutela (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas – ICNF) e o ambientalismo e ecologismo (Organizações Não Governamentais – ONG) tratam da coisa, podemos concluir que a capacidade de regeneração e resiliência dos ecossistemas é fantástica e surpreendente. Obviamente que a este pacote dantesco, ICNF e ONG, temos de associar o aproveitamento político-partidário, donde resultam paupérrimas agremiações partidárias e afins.
Na verdade, a gestão que o país faz do seu enorme património natural é estúpida porque a ninguém aproveita, tão pouco e muito menos à própria natureza. Essencialmente, tudo se resume, explica e assenta numa palavra: proibir. É o mais fácil e óbvio para a ignorância e para a manifestação de poder do mais triste funcionalismo, onde conservar é interpretado como proibir. Proíbe-se a vivência, proteção e valorização do património natural, designadamente o ignorar os serviços dos ecossistemas, e boicota-se o desenvolvimento do país.
A situação é tão má que em Portugal é dramático viver num Parque Natural ou em qualquer outro território classificado. Em Portugal dificulta-se ao máximo viver o campo, chega-se ao ridículo de ser proibido acampar no campo – por cá, acampar é coisa que se faz em espaços classificados e certificados, e muitas outras aberrações onde se tenta replicar o pior das cidades. A somar a tudo isto, as associações ambientalistas, salvo raras e meritórias exceções locais, traduzem-se num modo de vida de uma conhecida corte que se “diverte” em todos os palcos; o resultado é aprofundar o drama e a agonia da natureza em Portugal. No tempo quente e seco, tal como na caça ou outra atividade qualquer, “abre-se a temporada” do fogo, onde contam os inúmeros “meios envolvidos” e o “número de hectares ardidos”; à volta deste triste folclore anual, todo o português que pense um pouco sabe que só não arde o que já ardeu. Salvo os casos em que a floresta é tratada e gerida como tal, tudo o resto é para arder.
Há uns anos tive o privilégio de atravessar a pé grande parte da Escócia. Ali, o urbano e a natureza confundem-se. O campo, a floresta, os rios e os lagos entram pelas cidades, vilas e aldeias. A harmonia é quase perfeita e chega a provocar inveja. Por isto, é impossível a um escocês ignorar o meio natural, ele vive na natureza, apesar de a biodiversidade ser miserável, quando comparada com a nossa. Esta faz parte do seu modo de vida e qualquer pessoa, por muito distraída que seja, sente isso.
O corpo nacional de “guardas-florestais”, que lá existe, promove um enorme conjunto de atividades na floresta, dirigidas a todos os públicos, que visam ensinar, educar e valorizar o meio natural. Na verdade, uma das notas mais impressionantes desta experiência foi compreender como este simpático povo vive o campo. Tudo é pretexto para ir ao campo e usufruir do campo. Acresce o perfeito papel e a integração de cada parte, pública e privada, que se sente e percebe em cada situação. É tão simples e claro que fica fácil e é bom para todos, como não pode deixar de ser. Logo no aeroporto, como todos os viajantes, fui explicitamente convidado a ler o Scotland’s Outdoors Responsibly, que se resume em três significativos e simples tópicos: é responsável pelos seus atos e ações; respeite as outras pessoas; cuidado com a natureza. Mais não é preciso, a natureza é viva e vivida e essa é a melhor garantia de conservação e valorização dos ecossistemas.
Por cá, como é possível, num território imensamente desertificado e despovoado, todo ele igualmente ensolarado, justificar o abate de 1800 sobreiros, como se não houvesse alternativa? Em oposição, porque é necessário um imenso e penoso calvário, às vezes de décadas de anos, para conseguir implementar projetos de inegável interesse para as regiões, populações e para a valorização do meio natural? Vivemos um tempo que nos exige valorizar o património natural, um legado que afortunadamente possuímos, e assumir uma natureza viva e vivida, muitas vezes o contrário de proibir. Provavelmente este será o nosso melhor contributo para os enormes desafios globais que enfrentamos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico