Os cientistas dizem-nos que para evitar os piores efeitos das alterações climáticas é preciso travar a fundo nas emissões de gases com efeito de estufa, que são atirados para a atmosfera devido ao nosso uso intensivo de combustíveis fósseis. Mas apesar das promessas e compromissos avançados pelos políticos, a verdade é que as emissões continuam a aumentar. E em 2023 atingiu-se um nível recorde, que no fim do ano deverá chegar a 40.900 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2).
Estes números são avançados no relatório de 2023 do Global Carbon Budget, um projecto internacional de investigação ligado à rede internacional de cientistas Future Earth que colaboram para tentar criar um futuro mais sustentável. O trabalho é igualmente publicado na revista científica Earth System Science Data.
As emissões relativas ao uso de combustíveis fósseis projectadas são de 36.800 milhões de toneladas – o que representa uma subida de 1,1% em relação a 2022. Chega-se a 40.900 milhões de toneladas quando são adicionadas as emissões relativas às alterações no uso da terra (como a desflorestação).
As emissões globais de CO2 devido a grandes incêndios florestais foram mais elevadas do que a média dos últimos dez anos (2013-2022) devido a uma época de gigantescos incêndios no Canadá. O nível de emissões produzidas por incêndios no hemisfério Norte entre Janeiro e Outubro de 2023 foi entre 84% e 183% acima da média dos mesmos meses da década anterior, escrevem os cientistas.
O total das emissões de dióxido de carbono – o principal gás com efeito de estufa – em 2023 aumentou, mas mantém-se na linha do que têm sido um plateau durante a última década, dizem os investigadores. Estamos parados mais ou menos nos mesmos valores, quando aquilo de que precisávamos era de uma descida a pique das emissões para conseguir cumprir as metas climáticas, explica um comunicado de imprensa da Universidade do Exeter (Reino Unido), uma das instituições que participa no projecto do Global Carbon Budget.
A concentração de dióxido de carbono na atmosfera deve ser de 419,3 partes por milhão (ppm) no fim deste ano – o que é 51% superior ao que era antes de ter começado a Revolução Industrial e de termos começado a produzir emissões de gases com efeito de estufa em enormes quantidades.
“São evidentes os impactos das alterações climáticas à nossa volta, mas a acção para reduzir as emissões de carbono por causa do uso de combustíveis fósseis continua a ser dolorosamente lenta”, resumiu Pierre Friedlingstein, do Instituto de Sistemas Globais da Universidade do Exeter, que liderou o estudo, citado no comunicado.
Os compromissos que o mundo assumiu, de tentar limitar o aquecimento global para evitar os efeitos mais graves das alterações climáticas, parecem cada vez mais distantes. “Parece ser já inevitável que vamos ultrapassar a meta de [não chegar a uma temperatura média global de] 1,5 graus [acima da que era antes da Revolução Industrial] do Acordo de Paris”, avisa Friedlingstein.
Sete anos até 1,5 graus?
Se o nível de emissões de gases com efeito de estufa se mantiver como tem sido nos últimos anos, há 50% de possibilidades de o aquecimento global ultrapassar os 1,5 graus de aquecimento – de forma consistente e não apenas esporadicamente, durante alguns dias, como aconteceu já este ano – daqui a sete anos, dizem os cientistas do Global Carbon Budget.
É preciso que os líderes mundiais que estão reunidos na Cimeira das Alterações Climáticas das Nações Unidas, a COP28, no Dubai, percebam onde estamos. “Até para manter a meta secundária de não ter um aquecimento superior a dois graus Celsius, é preciso fazer rapidamente cortes nas emissões dos combustíveis fósseis”, alertou o cientista da Universidade do Exeter.
“A neutralidade carbónica tornou-se uma frase chavão para dizer que é preciso fazer alguma coisa pelo clima, mas o que significa é que é preciso que as emissões de CO2 cheguem a perto de zero. Se os países e as empresas não reduzirem de forma radical as suas emissões, então não estão a ser consistentes, de forma alguma, com o conceito científico de neutralidade carbónica”, sublinhou Glen Peters, do Centro CICERO para Investigação Internacional sobre o Clima.
No entanto, a previsão é ainda que as emissões dos combustíveis fósseis continuem a crescer: as do carvão 1,1%, do petróleo 1,5% e do gás 0,5%, diz o relatório. Mas o retrato global das emissões de gases com efeito de estufa é bastante diverso. Na Europa e nos Estados Unidos, tem vindo a diminuir. Na Ásia, nomeadamente na China e na Índia, a aumentar.
Na Índia, as emissões devem aumentar 8,2% este ano, e na China 4%. O bolo total dos 27 países da União Europeia, onde está contabilizado Portugal, deve reduzir-se 7,4%, enquanto nos EUA deve baixar 3%.
Os sumidouros de carbono – como os oceanos e as florestas continuam a absorver cerca de metade do CO2 emitido pela actividade humana. O resto fica na atmosfera. Quando à capacidade actual da tecnologia de remoção do dióxido de carbono da atmosfera, muito falada, estima-se que não tirou da atmosfera mais do que 10 kg de CO2 – bem menos do que as emissões anuais hoje em dia.