“Sinto que este ano estive numa universidade de financiamento do clima”, brincou nesta segunda-feira o embaixador Majid Aj Suwadi, director-geral da COP28, na conferência de imprensa que abriu o quinto dia da Cimeira das Alterações Climáticas das Nações Unidas, no Dubai, dedicado, entre outros temas, ao financiamento climático. Ao seu lado, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, falou sobre o caderno de encargos dos países em desenvolvimento, incluindo os Estados insulares em risco de desaparecerem devido à subida do nível das águas do mar.
Antes de mais, importa traçar um panorama: muitos dos países em desenvolvimento não têm recursos necessários sequer para fazer crescer as suas economias — quanto mais investindo em fontes de energia renovável, que evitariam um aumento de emissões. Nem para cuidar do seu património e construir infra-estruturas resistentes às alterações climáticas, nem para recuperar os seus territórios das catástrofes exacerbadas pelas alterações climáticas que são cada vez mais frequentes, como cheias ou secas extremas. A precariedade das suas economias, por sua vez, também faz com que seja difícil obter financiamento, já que as suas dívidas históricas são consideradas um factor de risco.
Regressamos então às exigências principais — que são, na realidade, quase súplicas — enumeradas por Mia Mottley sobre financiamento climático, no seu discurso na COP28, nos Emirados Árabes Unidos (EAU). “O mais importante é que o mundo mude dois princípios aceites”, resume.
Primeiro, é preciso quebrar a ideia de que é possível utilizar dinheiro de curto prazo para financiar o desenvolvimento, privilegiando capital de longo prazo. Depois, é preciso acabar com métricas de sustentabilidade ancoradas apenas no rácio da dívida pública face ao PIB, focando na vulnerabilidade climática como forma de aceder aos empréstimos. “Os países precisam de espaço orçamental, não apenas no clima, mas noutros aspectos”, explicou a governante, recordando áreas como a saúde, a educação e outras infra-estruturas essenciais para o desenvolvimento económico dos países.
É preciso dinheiro
Um problema de base é a urgência de aumentar o financiamento em si, ou seja, que sejam investidos efectivamente os milhares de milhões de euros necessários para suportar os países na adaptação do território, na transição energética e na recuperação de perdas e danos.
O fundo de perdas e danos, sobre o qual finalmente se chegou a acordo no início desta COP28, é um dos passos importantes neste sentido, mas o total dos compromissos assumidos até agora não chega aos 800 milhões de euros, quando se estima que o custo económico das perdas e danos seja de 400 mil milhões de dólares por ano, até 2030. Mas é preciso também pensar a montante: “As perdas e danos são depois da destruição. O que queremos é evitar a destruição”, sublinhou Mia Mottley.
Num balanço dos compromissos assumidos pelos países nos primeiros dias da cimeira do clima, a presidência da COP28 aponta para promessas num total de 57 mil milhões de dólares, entre os quais 30 mil milhões de dólares no Altérra, um novo “fundo catalisador” dos EAU e um incremento de nove mil milhões de dólares nos financiamentos anuais do Banco Mundial (equivalente a cerca de 8,3 mil milhões de euros).
Ao final do dia, um conjunto de bancos multilaterais de desenvolvimento anunciou o compromisso de desbloquear mais de 180 mil milhões de dólares até 2030 — cerca de 166 mil milhões de euros (incluindo o valor anunciado pelo Banco Mundial).
Nicholas Stern, co-presidente do Grupo Independente de Peritos de Alto Nível que entregou neste domingo um relatório sobre financiamento climático, relembrou que, entre as três dimensões do financiamento (mitigação, adaptação e perdas e danos), o investimento necessário deveria ser de 2,3 biliões de dólares por ano até 2030.
“É possível? Claro que é!”, exclamou o presidente do prestigiado Instituto Grantham de Investigação sobre Alterações Climáticas e Ambiente da London School of Economics. O que falta, por um lado, é “financiamento com um propósito”: apoiar, por exemplo, transformações estruturais — “programáticas” — em vez de apenas projecto específicos.
É preciso vontade
É necessário também aperfeiçoar os mecanismos através dos quais os fundos chegam aos países. Para o economista, mais do que riscos reais, o que está de facto a bloquear este financiamento é uma “percepção do risco” — e é necessário que as instituições “se preparem em conjunto e façam acontecer”. “O problema é o quadro de governação”, reforça Mia Mottley. E as mudanças a esse nível têm de ser rápidas, já que são apenas um passo. “O destino não é o financiamento. O destino é a execução efectiva dos projectos”, afirma.
A secretária de Estado da Energia e Clima portuguesa, Ana Fontoura Gouveia, explica ainda que, para existir financiamento e investimento, é preciso que existam projectos. “E aí, de facto, os países em desenvolvimento têm muitas dificuldades”, reconhece a governante, que nesta altura chefia a delegação portuguesa na COP28.
“Há quem refira, por exemplo, que a participação do sector privado, de uma forma mais robusta, poderá ajudar a resolver isso, porque o sector privado, se há coisa que sabe fazer, é montar projectos de investimento”, exemplifica. Algumas das propostas colocadas sugerem mais envolvimento do sector privado com as instituições financeiras internacionais, conseguindo “um portfólio de projectos mais abrangentes e que sirvam as necessidades locais”.
Acima de tudo, o investimento nas diferentes dimensões climáticas é urgente para salvar vidas. “Vamos ser claros sobre o que falamos caso falharmos”, afirmou Nicholas Stern. “Se chegarmos perto dos 2,5 graus, 3 graus, estamos a falar da destruição de civilizações inteiras. Não falhemos.”
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul