Brent acreditava que cultos satânicos e pedófilos governavam o mundo. Agora luta contra as teorias da conspiração

Brent Lee fechou a conta no Facebook e agora participa em congressos para combater a desinformação: “É muito difícil escapar às imposições dos algoritmos das redes sociais e das bolhas de filtro”.

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Brent Lee explica como se libertou das teorias da conspiração DR
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“Onde estava no 11 de Setembro?” É uma daquelas perguntas para a qual todos temos uma resposta. Brent Lee lembra-se perfeitamente de onde estava nessa terça-feira ao início da tarde. “Vivia com a minha mãe em Inglaterra, tinha 21 anos. Ela subiu as escadas e perguntou se eu estava a ver as notícias. Vimos as imagens do primeiro avião em repetição e, poucos minutos depois de estarmos em frente à televisão, vimos o segundo avião bater contra a outra torre”, conta ao P2 o produtor musical, durante uma conferência sobre desinformação em Cracóvia, organizada pela Eu DesinLolab, uma organização sem fins lucrativos que luta contra a desinformação.

De 2001 até 2018, Brent passou muitas horas em frente ao computador, em Bristol, ligado à Internet, a consumir milhares de conteúdos de desinformação relacionados com teorias da conspiração, cultos satânicos e ordens globais que queriam controlar o mundo, tornando cada ser vivo à face da terra um “escravo” ao serviço de um “ordem global”. Participou em protestos de rua e isolou-se dos amigos e da família. Até que deixou de acreditar nessas profecias. Hoje tem um podcast, o Some Dare Call It Conspiracy, e participa em conferências para partilhar a experiência de quem esteve num "rabbit hole" e como saiu.

“Aquele gajo é o Bin Laden”

Em retrospectiva, “o processo”, como lhe chama Brent, terá começado ainda antes da existência do Facebook, do Twitter ou do YouTube. A tragédia em Nova Iorque funcionou como que um despertar para o jovem que sempre teve interesse em assuntos militares. “Passei parte da minha infância numa base militar em Frankfurt, na Alemanha, com a minha mãe e o meu padrasto norte-americano. Sempre tive uma educação muito orientada para a componente militar. Por exemplo, quando íamos comer fora, sentávamo-nos sempre na parte de trás do restaurante, sem nunca ficar de costas voltadas. A segurança sempre foi o elemento principal na minha vida.”

Por isso, quando apareceram as primeiras imagens de um homem com barba grande, vestido com um camuflado e uma AK47 ao lado, Brent não teve dúvidas: “Aquele gajo é o Bin Laden”, disse à mãe, que, como a maioria da população mundial, ainda não conhecia aquele que se viria a transformar no homem mais procurado em todo o mundo.

A curiosidade por questões militares fez com que se tivesse cruzado com este nome por causa dos ataques levados a cabo pela Al-Qaeda a embaixadas ocidentais em África nos anos 1990. Poucos meses antes, tinha acontecido um ataque ao navio USS Cole, da Marinha dos EUA, logo assumido pelo grupo extremista. Brent sabia cada pormenor destes acontecimentos. “Fiquei perplexo. Como é que os EUA deixaram que isso acontecesse?”, foi a pergunta que se repetiu na cabeça de Brent e que terá funcionado como uma alavanca para a viagem que começou a partir daí.

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Momento em que as Torres Gêmeas colapsam REUTERS/Ray Stubblebine

“Consumi, consumi, consumi"

Trabalhando como produtor musical, já tinha conhecimentos informáticos e isso deu-lhe capacidade para entrar num universo que na altura não era conhecido por muita gente: os fóruns online. “Explorei as várias redes peer-to-peer, redes partilhadas em que as pessoas podiam ligar os computadores pessoais e partilhar todo o tipo de documentos. E foi assim que comecei a ver todo o tipo de documentários sobre o 11 de Setembro que não passavam nas televisões nacionais nem se liam nos jornais”, explica, de uma forma bastante calma, quase como se fosse um relato feito por outra pessoa que não o próprio.

Nas horas que passou online, maturou a ideia de que Bin Laden e a Al-Qaeda mais não eram de que uma “criação da CIA” e que Bin Laden, que até tinha uma pseudónimo ocidental, “Tim Osman”, era, na verdade, um activo a trabalhar para os EUA e os seus aliados, perpetrando o ataque do 11 de Setembro de forma a justificar a invasão do Afeganistão e depois do Iraque. “Para mim, fazia tudo sentido, ia tudo ao encontro do que queria acreditar”, diz.

“Descarreguei tudo e consumi, consumi, consumi. Quase como se fosse uma droga. Tornei-me uma pessoa muito, muito apaixonada por compreender o que estava a acontecer”, conta ao P2. Foi nesse caminho que se cruzou com uma figura que, sendo pouco conhecida na altura, ganhou imenso protagonismo nos anos seguintes: Alex Jones.

O negacionista da extrema-direita, rosto principal da plataforma de desinformação Infowars, foi um dos catalisadores de Brent. “Ele tinha um documentário chamado Lei Marcial 9-11 em que dizia que o ataque às Torres Gémeas tinha sido feito a partir do interior, por George Bush e com a intervenção, até, do democrata John Kerry”, explica.

E é a partir daí, e já com mais ferramentas digitais disponíveis, como o MySpace, que Brent entra numa jornada vertiginosa no funil de teorias de conspiração em que estava mergulhado, sem, no entanto, dar conta disso, afastando-se dos principais amigos e até de familiares. “As minhas relações de amizade decorriam agora nestas plataformas onde nos considerávamos todos activistas pela verdade”, conta. “Era nesses grupos que encontrava a minha verdade."

Nesse emaranhado de ligações online, Brent deu de caras com uma teoria que reforçava a ideia de que Bush e Kery estavam por detrás do que tinha acontecido nos EUA em 2001. Os dois tinham frequentado a Universidade de Yale e, de acordo com o que encontrava nos fóruns onde estava imerso, teriam integrado uma sociedade secreta, a Skull and Bones, em que participaram em "rituais obscuros, satânicos, que envolveriam, até, sacrifícios humanos".

“Ora bem, eu nunca acreditei em Deus, nem em rituais satânicos. Mas havia aqui pontos claros e que eram verdadeiros. Ambos tinham andado em Yale. E só esta verdade bastava para eu acreditar que havia, de facto, uma sociedade secreta, onde os principais líderes mundiais estavam envolvidos em cultos satânicos e pedófilos, a trabalhar em conjunto para a criação de uma nova ordem mundial”, descreve.

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George H. W. Bush na Universidade de Yale REUTERS/George Bush Presidential Library and Museum

Com todas estas certezas em mente, Brent aproveitou a tecnologia que havia nessa altura — “seria muito mais simples, perigoso e eficaz agora com tantas redes sociais” e criou o blogue Truth Music Directory. Nesse portal, eram apresentadas outras pessoas que usavam a música para “tornar a cabala mundial” conhecida por todos. Nesta altura, depois de se ter afastado de amigos e familiares, este blogue, as redes em que estava inserido e até os protestos de rua eram o seu ponto de abrigo.

Sandy Hook, Trump e o fim da cabala

No blogue, entre 2010 e 2016, Brent deu a conhecer quase uma centena de “artistas pela verdade”. A última publicação data de 2016 e é sobre “um artista que promove a ideia de que a terra é plana”, diz Brent, entre risos. Desde então, não foi feita qualquer entrada. Um silêncio completo. Mas o seu afastamento da comunidade começou ainda antes, em 2012.

Se Alex Jones funcionou como dínamo para o mergulho de Brian em redes de desinformação, as teorias que desenvolveu sobre o atentado à escola primária de Sandy Hook, e que lhe valeram uma condenação por difamar os familiares das vítimas, foram também o ponto de viragem na vida de Brent Lee. “Ele acusou os familiares de terem montado tudo aquilo, com actores contratados para encenar a tragédia como parte de uma conspiração governamental para tirar as armas aos americanos. Aquilo não fazia sentido e fez com que sentisse necessidade de me afastar da comunidade.”

Mas o que convenceu realmente Brent de que algo estava errado aconteceu anos mais tarde, em 2016, com a eleição de Donald Trump. “Era suposto ser Hillary a vencedora. Ela fazia parte do chamado establishment há várias décadas. E a tese de quem queria combater a cabala é que ela seria a vencedora”, explica.

“Eu, na altura, não acreditava que as eleições contavam para alguma coisa. As pessoas não eram eleitas, eram seleccionadas. Mas acontece a eleição de Trump, o 'Brexit' e a nomeação de Jeremy Corbyn para os trabalhistas aqui no Reino Unido. Nada disto ia ao encontro do que pretendia a cabala e comecei a pensar que, se calhar, as pessoas tinham poder. Durante 15 anos acreditei que não havia qualquer opção e, pela primeira vez, percebi que a cabala não existia”, conta, não escondendo algum desapontamento por se ter deixado levar pelas teorias, que agora considera “absurdas”.

Mais tarde, com o crescimento de movimentos negacionistas do QAnon, Brent tomou uma decisão que terá sido a machadada final na relação com as teorias da conspiração. “Em 2018 fechei a minha conta do Facebook, estava farto daquilo, e a minha comunidade parecia, afinal, estar cheia de merda.” A forma como o mundo estava a funcionar, com os resultados eleitorais que estavam a acontecer em várias partes do mundo, iam definitivamente contra os ideais perpetuados pelos “activistas pela verdade” com quem Brent tinha passado os seus dias, mesmo que online.

E, depois, a 6 de Janeiro de 2021, surge mais um ponto neste “acordar”. “Eu e a minha companheira, que estava envolvida no movimento como eu, assistimos ao ataque ao Capitólio e à morte de Ashli Babbitt, uma veterana do Exército norte-americana, que foi morta pela polícia. Olhei para a minha companheira e disse: podias ser tu, podia muito bem ser um de nós ali naquele momento.”

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Reuters

Na verdade, “pode ser qualquer um”. A forma como as redes sociais, onde grande parte das pessoas faz a sua dieta informativa, motivam as “ferramentas de validação” — as chamadas "bolhas de filtro" em que os utilizadores apenas seguem contas que gostam e a forma como os algoritmos privilegiam essa relação — que prenderam Brent durante 15 anos às mais “absurdas teorias da conspiração”. Numa sondagem publicada em 2021, em que foram entrevistadas 5625 pessoas, em cada um dos 50 estados dos EUA, pelo menos 15% da amostra com mais de 18 anos acredita que as agências do Governo norte-americano, as empresas jornalísticas e o mundo das finanças são controlados por pedófilos adoradores de Satanás que lideram uma rede internacional de tráfico sexual de menores.

“Muitas dessas pessoas não sabem que estão a fazer mal. Tal como eu, que era uma pessoa bem informada, isto não se trata apenas de vulnerabilidade. É muito difícil escapar às imposições, muito delas de forma inconsciente, feitas pelos algoritmos das redes sociais e das bolhas de filtro”, diz Brent. Por isso, tanto nas redes sociais, como na participação em congressos e conferências, este activista alerta para os riscos das plataformas de redes sociais e para os riscos da desinformação.

Ele próprio é, agora, criticado por parte dos elementos dos grupos de que fez parte, que o acusam de estar ao serviço da tal cabala. “Não os consigo criticar. O meu processo exigiu um conhecimento muito grande. Acho que fui tão longe no rabbit hole que acabei por sair do outro lado."

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