“Não existe nenhuma ciência nem nenhum cenário que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai permitir atingir 1,5°C [de aumento da temperatura média global].” Esta frase poderia ter sido dita pelas pessoas que passaram a ser chamadas “negacionistas” em relação à acção humana no exacerbar das alterações climáticas, mas foi proferida pelo presidente da COP28, Sultan Al Jaber, pouco mais de uma semana antes do início da cimeira do clima das Nações Unidas.
O jornal britânico The Guardian e o Centre for Climate Reporting divulgaram que, num evento online da campanha She Changes Climate, em que debatia com Mary Robinson, presidente do grupo dos Elders (“Anciãos”) e antiga enviada especial da ONU para as alterações climáticas, Al Jaber reagiu mal às questões colocadas pela irlandesa.
Mary Robinson tinha acabado de afirmar que “estamos numa crise absoluta que está a prejudicar as mulheres e as crianças mais do que ninguém (...) e isso deve-se ao facto de ainda não nos termos comprometido a eliminar gradualmente os combustíveis fósseis”. “Essa é a única decisão que o COP28 pode tomar e, em muitos aspectos, por ser director executivo da petrolífera estatal Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), pode tomá-la com mais credibilidade”, acrescentou ainda.
A resposta de Al Jaber veio em tom exasperado: “Aceitei vir a esta reunião para ter uma conversa sensata e madura. Não estou de forma alguma a participar numa discussão alarmista. Não existe nenhuma ciência nem nenhum cenário que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai permitir atingir 1,5°C”, afirmou.
“Li que a sua empresa está a investir em muito mais combustíveis fósseis no futuro”, desafiou novamente a antiga enviada especial da ONU para as alterações climáticas. Al Jaber respondeu: “Está a ler os seus próprios meios de comunicação social, que são tendenciosos e errados. Estou a dizer-lhe que sou o homem que manda.”
“Por favor, ajude-me, mostre-me o caminho para uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis que permita um desenvolvimento socioeconómico sustentável, a menos que queira levar o mundo de volta às cavernas”, acrescentou ainda o CEO da petrolífera estatal dos EAU. “Não creio que possam ajudar a resolver o problema do clima apontando dedos ou contribuindo para a polarização e a divisão que já estão a acontecer no mundo. Mostrem-me as soluções. Parem de apontar o dedo. Parem com isso”, afirmou Sultan Al Jaber.
Reduções rápidas e profundas
A ciência é clara: é possível mitigar a subida das temperaturas se controlarmos, já e rapidamente, a emissão de gases com efeito de estufa (GEE). O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) tem divulgado relatórios em que demonstra que são precisas “reduções rápidas e profundas nas emissões e, na maior parte dos casos, reduções imediatas” em todos os sectores de actividade. Ainda que as florestas e a agricultura possam ajudar na redução das emissões de gases com efeito de estufa, “a Terra não pode compensar as reduções de emissões que têm sido adiadas nos outros sectores” — nomeadamente, aqueles que ainda dependem do consumo de combustíveis fósseis, como a indústria ou os transportes.
Na semana passada, o Centre for Climate Reporting também tinha revelado, numa publicação conjunta com a BBC, que o presidente da COP28 tinha planeado utilizar as negociações da cimeira para negociar alguns acordos de novas explorações de gás. Al Jaber já negou estas alegações e a presidência da COP28 respondeu que a análise dos documentos é “imprecisa”.
Ainda assim, na sequência desta revelação, Hilda Heine, membro do principal conselho consultivo da COP28, demitiu-se na sexta-feira. Antiga presidente das ilhas Marshall, um arquipélago vulnerável às alterações climáticas, Hilda Heine afirmou na sua carta de demissão, noticiada pela Reuters, que as notícias de que os Emirados Árabes Unidos planeavam discutir possíveis acordos de gás natural e outros acordos comerciais antes das negociações da ONU sobre o clima eram “profundamente decepcionantes” e ameaçavam minar a credibilidade do processo de negociação multilateral.
Para Heine, “estas acções comprometem a integridade da presidência da COP e do processo no seu conjunto”. A única forma de Sultan Al Jaber restaurar a confiança no processo é “apresentar um resultado que demonstre o seu empenhamento na eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”, escreveu Heine na carta que enviou ao presidente da COP.