COP28: “Tudo o que tem de ser decidido agora já deveria ter sido decidido antes”
Bianca Castro tem apenas 22 anos e já conta com presenças em quatro cimeiras do clima da ONU. Primeiro, como activista. Agora, como delegada da associação Greenpeace.
Bianca Castro, de 22 anos, está pela quarta vez numa cimeira do clima das Nações Unidas. Em Madrid, em 2019, marcou presença enquanto jovem activista por justiça climática, associada ao movimento Fridays for Future, inspirado nas “greves climáticas” de Greta Thunberg à frente do Parlamento sueco.
Nesta COP28, que acontece nos Emirados Árabes Unidos, regressa pela segunda vez como parte da delegação da Greenpeace Internacional, dividida entre seguir as negociações — o eventual compromisso com o fim dos combustíveis fósseis, o fundo de perdas e danos, a transição justa e o financiamento climático — e prestar apoio a uma delegação de activistas do Médio Oriente, criando oportunidades para se ouvirem as histórias destes jovens que estão não apenas na região em que a COP28 acontece, mas das regiões mais afectadas pela crise climática.
Pelo meio, Bianca Castro também ajuda a organizar alguns dos protestos que já são habituais dentro da cimeira. Apesar de compreender o desânimo de muitos, não quer desistir. “Acho que é uma decisão louvável não vir, tal como o é a decisão de continuar a protestar e mostrar que estamos aqui, que vamos continuar a fazer-nos ouvir. Vamos fazer de tudo para influenciar as negociações e esperar que isso vá, aos poucos, funcionando.”
Que protestos estão agendados e quais são as reivindicações este ano?
No ano passado houve quase 80 protestos durante a cimeira no Egipto, e esta COP não será diferente. Vai haver uma marcha do Fridays for Future na sexta-feira, como não poderia faltar. O dia 9 [sábado] é um dia global de acção, e por todo o mundo haverá mobilizações por justiça climática. Aqui dentro, vamos ter uma marcha pelos corredores da cimeira. Até lá, vão acontecendo dezenas de acções, algumas mais pequenas, outras maiores, consoante o que acontece nas negociações. Um dos temas transversais é a necessidade de pôr um fim à era da indústria dos combustíveis fósseis, mas há muita coisa sobre transição justa, o fundo de perdas e danos e também vários protestos em solidariedade com a Palestina e sobre direitos humanos no geral.
Quão diferente é esta cimeira, por comparação com as últimas três? Todos os anos ouvimos dizer que é “a cimeira mais importante de sempre”. A COP28 tem esse potencial?
É de facto uma cimeira importante porque é a primeira vez que vai ser feito o global stocktake, o balanço das reduções de emissões de gases com efeito de estufa previsto no Acordo de Paris, que sabemos que são manifestamente insuficientes. No primeiro dia foi aprovado o fundo de perdas e danos e já houve países que prometeram dar dinheiro, mas este fundo precisa de milhares de milhões e o que está a ser prometido até agora são migalhas, por comparação. Tudo o que tem de ser decidido agora já deveria ter sido decidido antes e, infelizmente, as COP têm mostrado que não é neste espaço que essas decisões têm acontecido. Mas não deixa de ser um momento em que não só decisores políticos, mas também a sociedade civil se junta.
No ano passado, no Egipto, não havia liberdade para fazermos protestos nas ruas. Tanto em Madrid como em Glasgow vimos das maiores mobilizações do mundo por justiça climática, mais de meio milhão de pessoas nas ruas. Tínhamos protestos na cimeira, mas lá fora também havia sempre algo a acontecer. Este ano, como no último, a sociedade civil teve que se limitar a fazer protestos dentro do recinto, com muitas limitações.
Os protestos têm que ser aprovados pela UNFCCC e, para não colocar ninguém em risco, temos de cumprir com os requisitos. Há coisas como não se poder falar em países, não podermos ter bandeiras, não podermos falar em certas empresas. Chega a haver a dúvida de se pode ser realmente um protesto ou não. Ter de ser tão vago quando há aqui tanta coisa, tantas empresas que estão aqui representadas, tantos governos a fazer greenwashing, e nós precisamos de denunciar isso. Acabamos por conseguir fazer isso de uma maneira ou de outra, mas é mesmo muito limitado o espaço que a sociedade civil acaba por ter.
Outra questão que parece ser complexa é a linguagem sobre o fim gradual dos combustíveis fósseis e também a expressão “unabated”, ou seja, se é ou não com captura de carbono. Qual é a vossa expectativa? Esta COP28 poderá chegar a um acordo que não seja atenuado e que possa fazer realmente a diferença?
A necessidade do abandono dos combustíveis fósseis, o tal phase out completo, é uma das questões centrais desta COP, como, aliás, já tem sido noutras. É um pouco ridículo que, no ponto em que já estamos da crise climática, estejamos a perder tempo a discutir questões de linguagem. Há um consenso científico sobre o facto de os combustíveis fósseis serem a principal causa da crise climática e mesmo assim estamos com estas discussões.
Mas a verdade é que as COP têm sido campos férteis para esses interesses. Neste que é suposto ser um espaço de decisão para diminuir emissões, estamos a ver, ano após ano, mais delegados ligados à indústria fóssil. Na COP26 havia 503, na COP27 havia 636, que já foram números chocantes, e nesta tudo indica que sejam muitos mais. Aliás, o presidente da COP é o chefe da empresa petrolífera estatal dos EAU.
Nas vésperas da COP, saíram documentos que mostraram que ele terá planeado usar o seu papel para discutir negócios de gás natural e petróleo. Como é possível termos uma conferência destas com tamanhas influências da indústria fóssil? Parece que está tudo um pouco comprado, e daí também a falta de credibilidade que este espaço neste momento tem.
Um dos argumentos usados é que, estando tão por dentro do sistema, Sultan Al Jaber pode ajudar a alterá-lo. Há o que a ciência diz, há o que a sociedade civil exige, e ele pode colocar-se como alguém que vai encontrar as soluções. Isso não pode ser uma mais-valia?
Sou da opinião de que não há espaço para empresas fósseis planearem a transição justa de que precisamos e o fim dos combustíveis fósseis, porque vai contra a sua própria existência. Não só esta empresa petrolífera estatal, mas as empresas fósseis a nível global, e temos exemplos também em Portugal: visam cada vez mais o lucro com combustíveis fósseis. É completamente contraproducente e é absolutamente inacreditável que um chefe de uma empresa destas seja o presidente da COP. Vai contra aquilo que ele quer fazer.
Desafiava-a responder a uma pergunta de uma leitora do Azul que, na realidade, é uma provocação: “Porque é que devemos boicotar a COP?”
A COP tem cada vez mais influência da indústria fóssil. Deveria ser um espaço neutro e um espaço de decisão para travar a crise climática, mas tem cada vez mais delegados ligados à indústria fóssil. Está a acontecer num país que é um “petro-Estado”. A presidência faz parte da indústria que a COP deveria terminar. Acho que é mais mais difícil dizer por que é que devemos continuar a vir às COP do que porque é que a devemos boicotar.
O que é que a motiva, então, a vir?
Infelizmente, apesar de ser um espaço limitado e de certa forma muitas vezes “comprado” por interesses fósseis, acaba por ser um espaço em que muitas das pessoas das regiões mais afectadas e povos indígenas conseguem encontrar uma voz e contar as suas histórias. Infelizmente, não é isso que tem causado a mudança, mas há muita gente que, ao vir aqui, tem a oportunidade de contar o que se passa nos seus países. A sociedade civil já conseguiu, inclusive no ano passado, no que toca ao fundo de perdas e danos, protestar e influenciar negociações ao ponto de haver algumas mudanças.
A questão é que essa mudança nunca é mudança drástica de que precisamos, não é suficiente a travar a crise climática. Nunca será a partir daqui que se vai travar a crise climática, mas isto não vai parar de acontecer porque a sociedade civil não está presente, por isso continuamos a vir. Acho que é uma decisão louvável não vir, tal como o é a decisão de continuar a protestar e mostrar que estamos aqui, que vamos continuar a fazer-nos ouvir, vamos fazer de tudo para influenciar as negociações e esperar que isso vá, aos poucos, funcionando.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul