Ensino da História: há um fosso entre o que os professores desejavam fazer e o que fazem na prática

Manipulação da História constitui uma “ameaça à paz”, alerta Conselho Europeu. Panorama do ensino da disciplina desvendado em relatório.

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Ensino da História tem perdido tempo nas matrizes curriculares Nelson Garrido
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Os professores de História de 16 países europeus, incluindo Portugal, consideram que a memorização de factos históricos e de datas é “menos pertinente do que a reflexão histórica e a vivência conjunta em sociedades democráticas diversificadas”, segundo mostra o primeiro relatório do Observatório do Ensino de História na Europa (OHTE, na sigla em inglês), divulgado nesta quinta-feira.

Esta é uma das constatações que leva a uma das 15 principais conclusões apresentadas neste relatório elaborado por aquele órgão do Conselho Europeu: “Parece existir uma divergência acentuada entre o que os professores entendem como pertinente e o que descrevem como sendo a sua prática em sala de aula.”

Esta discrepância começa logo pelo tipo de pedagogia usada nas aulas. Os professores fazem notar a sua preferência pelos chamados “métodos de aprendizagem activos”, como a elaboração de projectos e de estudos com base em exemplos concretos, mas admitem que este tipo de prática pedagógica é a que “menos utilizam” em sala de aula, continuando a privilegiar a exposição oral que remete os alunos para um papel “mais passivo”.

História do género sem relevância nas aulas

Para os professores, este fosso entre o que desejavam fazer e o que fazem na prática deve-se sobretudo à redução do tempo atribuído à História nas matrizes curriculares e à extensão dos currículos. Com base na compilação dos currículos do ensino de História e em entrevistas a cerca de seis mil professores, dos quais 212 portugueses, estes dois aspectos são consensualmente apontados como os maiores obstáculos ao ensino desta disciplina.

Entre os professores portugueses que responderam ao inquérito. 82% dão conta de que utilizam sempre o manual nas aulas, enquanto a percentagem dos que recorrem habitualmente à literatura, museus ou tradições locais oscila entre os 16% e os 28%.

Dos inquéritos realizados, fica-se também a saber que a história de género é o tema a que se dá menos tempo e relevância na sala de aula. Os mais relevantes, por ordem de importância, são os relativos à história social e económica, à história política e militar, à história das migrações, das minorias e culturas e à história ambiental. Embora sejam considerados relevantes, a abordagem destes últimos dois temas é também “mais limitada”.

Outras preocupações comuns aos docentes de História incidem sobre os recursos pedagógicos existentes, seja pela sua “abundância excessiva”, pela necessidade de formação específica sobre como seleccionar os materiais para utilização nas aulas, existindo ainda dúvidas sobre a “adequação dos manuais escolares”. Questiona-se, por exemplo, se estes incentivam o pensamento crítico e até que ponto incorporam a diversidade cultural, étnica, linguística e religiosa das sociedades actuais.

Na introdução ao relatório, o Conselho da Europa alerta para “a manipulação da História com fins políticos: apesar de ser “recorrente desde o seu estabelecimento como disciplina, a guerra da Rússia contra a Ucrânia veio mostrar as suas capacidades destrutivas, com o Governo russo a moldar uma história alternativa onde se nega a existência da Ucrânia como forma de legitimar a sua guerra de agressão”. Sendo que esta história alternativa está já a ser transposta para os manuais escolares.

Deste modo, acrescenta-se, “a desinformação e os ‘factos alternativos’ não são só promovidos por indivíduos e grupos online, mas são também parte integrante de políticas estatais revisionistas que representam uma ameaça para a paz na Europa”.

A mesma preocupação foi expressa pelo presidente do OHTE, Alain Lamamousse, durante a apresentação do relatório nesta quinta-feira, em Estrasburgo: “Viramo-nos para a história de modo a compreender o presente e o modo como pode influenciar o futuro. Mas a história pode também ser manipulada, com graves consequências para os direitos humanos e a democracia”.

O relatório foi divulgado na terceira conferência anual do OHTE, que teve como tema Ensinar História: ensinar a paz?

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