É um espectáculo luminoso que a meteorologia pode arruinar, mas que poderá desenrolar-se muito para lá das nuvens que têm trazido chuva ao território nacional. A mais de 60 quilómetros por cima da cabeça dos portugueses, na ionosfera da Terra, uma tempestade solar vai atingir a atmosfera com intensidade suficiente para produzir auroras boreais até nas chamadas latitudes médias do planeta — onde Portugal se inclui.
O fenómeno deve começar ainda esta noite de quinta-feira e ao longo das primeiras horas da madrugada de sexta-feira, 1 de Dezembro — indiferente ao tempo invernoso que se abateu sobre o país e que obrigou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) a lançar avisos meteorológicos de chuva. Só é necessário que o campo magnético do planeta facilite o caminho das partículas solares para que as cortinas de luz ondulem nos cumes da atmosfera, até nos pontos do planeta onde elas são mais raras.
Esta viagem começou a 150 milhões de quilómetros da Terra, às 19h50 de quarta-feira (hora de Lisboa), quando uma erupção eclodiu da atmosfera solar e cuspiu uma massa de plasma (injecção de massa coronal, ou CME). As partículas dessa massa estão agora em rota de colisão com a Terra e podem causar auroras boreais em latitudes relativamente baixas, entre o Círculo Polar Árctico e o Trópico de Câncer. Quanto mais próximo se estiver no Árctico, mais provável é a observação das auroras boreais no céu.
Esta é a terceira tempestade solar com expulsão de plasma desde 27 de Novembro, mas as duas primeiras vagas estão a viajar mais lentamente pelo espaço, permitindo à terceira, mais veloz, encontrar-se com elas pelo caminho e engoli-las. É aquilo a que os especialistas chamam CME Canibal ou canibalismo de Ejecções de Massa Coronal, composta por nuvens de gás magnético que viajam a uma velocidade entre 20 e 2000 quilómetros por segundo.
O fenómeno foi avaliado pela NASA — a agência espacial norte-americana — e está classificado como M9.8, significando que a erupção solar "pode causar breves apagões radioeléctricos que afectam as regiões polares da Terra e pequenas tempestades de radiação", que podem perturbar as frequências de rádios amadoras e a recepção de GPS nas regiões nocturnas do planeta, especifica a Universidade de Stanford.
Esta é a segunda classe mais intensa das quatro que se utilizam para avaliar uma erupção solar. A mais intensa, de classe X, "pode provocar apagões radioeléctricos em todo o planeta e tempestades de radiação de longa duração". De acordo com a avaliação das agências de observação da atmosfera (nomeadamente a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional norte-americana, a NOAA), a tempestade solar que poderá provocar auroras boreais esta noite está nas intensidades superiores da classe M, a poucos pontos de entrar na classe X.
As auroras boreais acontecem quando o plasma expelido pelo Sol perturba o campo magnético da Terra e atinge as camadas mais altas da atmosfera do planeta. As partículas da atmosfera absorvem a energia transportada pelos iões que compõem esse plasma, ficando num estado físico de excitação, em que os electrões sobem de níveis de energia. Mas, ao retornarem ao estado de energia anterior, libertam radiação electromagnética — incluindo a luz visível. É deste processo que surgem as cores visíveis das auroras boreais (quando acontecem no hemisfério Norte) e as auroras austrais (no hemisfério Sul).
Se quiser fintar a meteorologia para tentar observar este fenómeno, o melhor é procurar um local com pouca poluição luminosa e fixar-se na região Norte da esfera celeste. Não se distraia com o telemóvel, nem adormeça: as auroras exigem a paciência dos seus caçadores; e podem surgir subitamente e por poucos instantes — os suficientes, no entanto, para prometerem uma paisagem única dos fenómenos celestes.