Fit for 90? Bruxelas já está a preparar a nova meta de redução das emissões até 2040

A UE chega à COP28 com o trabalho de casa feito: todas as propostas legislativas do pacote Fit for 55 foram aprovadas, e a sua execução pode resultar num corte próximo dos 60% até ao final da década.

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Com toda a probabilidade, a UE conseguirá ultrapassar o seu objectivo e “eliminar” mais do que 55% das emissões até 2030 GettyImages
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Fit for 90? Bruxelas já está a preparar a nova meta de redução das emissões até 2040. Com as propostas que compõem o pacote que foi designado como Fit for 55 (ou Objectivo 55, de redução de pelo menos 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030) todas aprovadas, os Estados-membros da União Europeia tratam agora de assegurar a sua execução, enquanto os legisladores de Bruxelas começam a mirar a meta intermédia de 2040.

Com o objectivo da neutralidade climática no horizonte, o executivo comunitário já está a preparar uma comunicação, para apresentação aos Estados-membros no primeiro trimestre do próximo ano, a apontar o esforço que será necessário fazer, depois de acabar esta década, para reduzir as emissões a zero em 2050.

O conselho consultivo para as mudanças climáticas, que é o organismo científico independente estabelecido pela Lei do Clima, já fez as contas e avançou um parecer: a sua recomendação é que a nova meta para o corte das emissões até 2040 seja fixada entre os 90% e os 95%. Mas além desse valor de referência, a Comissão Europeia também vai anunciar o “montante” indicativo daquele que será o primeiro orçamento de gases com efeito de estufa (ou, para simplificar, orçamento de carbono) da UE, que se estima poder situar-se entre as 11 e as 14 gigatoneladas (milhões de toneladas).

Essa é “principal novidade — e inovação — desta revisão intercalar das metas” no âmbito da Lei do Clima, observa uma fonte europeia, explicando a “relevância” de se definir um tecto máximo para as emissões de CO2 para a atmosfera: pela primeira vez, todos os agentes ou intervenientes, sejam eles políticos, económicos ou outros, vão dispor de uma ordem de grandeza objectiva que lhes permitirá controlar, e até antecipar, a meta de redução das emissões até 2040.

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Trabalho de casa feito

Em termos dos compromissos do Acordo de Paris, o bloco europeu poderá gabar-se de chegar à COP28, no Dubai, com o trabalho de casa feito nas vertentes de mitigação e adaptação às alterações climáticas, e na redução de emissões para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ou dois graus Celsius.

Das 13 propostas legislativas do pacote Fit for 55, falta apenas aprovar uma: a revisão da directiva relativa à tributação da energia, que, por ser uma matéria de fiscalidade, exige a unanimidade dos Estados-membros (a discussão corre na formação de Economia e Finanças do Conselho da UE, e não no Ambiente). A convicção em Bruxelas é que será possível fazê-lo antes do final da legislatura.

No primeiro semestre de 2023, a presidência sueca do Conselho da UE fechou todos os “capítulos” do Fit for 55 que permaneciam abertos, tendo aprovado o reforço do actual sistema de comércio de licenças de emissão (ETS) e o seu alargamento a novos sectores; a criação do novo Fundo Social para o Clima e do novo Mecanismo de Ajustamento de Carbono nas Fronteiras (CBAM); os regulamentos relativos à Partilha de Esforços (ESR) e à inclusão das emissões e remoções dos gases com efeitos de estufa decorrentes da utilização e reafectação dos solos e da silvicultura (LULUCF); e, finalmente, as regras para reduzir a zero as emissões de CO2 dos veículos novos de passageiros a partir de 2035.

Entretanto, e com o mesmo horizonte do fim da legislatura em mente, os negociadores do Conselho da UE e do Parlamento Europeu têm “acelerado” para fechar o processo legislativo numa série de diplomas (regulamentos ou directivas) que, apesar de não pertencerem ao pacote Fit for 55, contribuem para a concretização das metas de redução das emissões.

Nas últimas semanas, por exemplo, houve acordo para a aprovação dos regulamentos para a redução das emissões de metano no sector da energia, e o desempenho energético dos edifícios — duas das propostas do chamado Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), do qual faz parte também a recém-aprovada Lei de Restauro da Natureza, indirectamente relacionada com o uso dos solos.

Apesar da “reacção” de alguns governos da UE e famílias políticas de centro-direita e direita no Parlamento Europeu, que no actual contexto eleitoral têm defendido uma “pausa” nas medidas destinadas ao combate às alterações climáticas e à defesa do ambiente — por exemplo, na semana passada, chumbaram uma proposta para cortar para metade o uso de pesticidas até 2030, no plenário do Parlamento Europeu —, os legisladores não reduziram a ambição inicial das propostas da Comissão para reduzir a pegada carbónica do bloco.

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Penalizar a emissão de gases com efeito de estufa e premiar a descarbonização

No caso do pacote Fit for 55, até acabaram por ir mais longe do que defendia o executivo comunitário: as metas relativas ao comércio de emissões, aos sumidouros de carbono, ao uso de energias renováveis e à eficiência energética (que foram revistas após a apresentação do programa RePowerEU) ficaram acima da proposta original, o que quer dizer que, com toda a probabilidade, a UE conseguirá ultrapassar o seu objectivo e “eliminar” mais do que 55% das emissões até 2030 — os especialistas estimam que o valor líquido possa ficar muito próximo dos 60%.

Com eleições para o Parlamento Europeu no próximo mês de Junho, o ano de 2024 será “atípico” em termos de prossecução dos objectivos climáticos da UE. Ainda que se adivinhe um segundo mandato da alemã Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia, só depois de iniciado o novo ciclo político em Bruxelas se começarão a vislumbrar as acções para dar resposta às questões que se vão colocar um ano mais tarde, na COP30: será esse o momento para a actualização dos compromissos nacionais (Nationally Determined Contributions ou NDC) de redução de emissões dos Estados-membros da UE.

As questões não têm a ver com a estratégia adoptada pela UE, que passa por penalizar a emissão de gases com efeito de estufa e premiar a descarbonização, mas antes com a responsabilidade individual versus a colectiva, ou seja, quais as medidas que competem aos Estados-membros e quais as que exigem a acção da UE, e também com a convergência e partilha de esforços, entre os 27, para atingir o objectivo da neutralidade carbónica consagrado na Lei do Clima.

O que, tal como aconteceu em 2020, vai exigir uma revisão dos instrumentos de política climática — e consequentemente um novo pacote que se poderá designar como Fit for 90 ou 95, conforme a meta que vier a ser fixada para 2040. Apesar de avançar já um valor de referência, na sua comunicação, a Comissão Von der Leyen só formalizará uma proposta legislativa no próximo mandato. A líder do executivo comunitário também já se comprometeu a avançar com um Green Deal II, se for reeleita para o cargo.

Mas, desta vez, há uma dificuldade adicional para as sempre delicadas negociações politicas a 27, que tem a ver com dinheiro. Para os Estados-membros, o cumprimento de metas climáticas “ambiciosas” está associado ao reforço do financiamento disponível para investir na transição energética e desenvolver as fontes renováveis. O “problema” é que os ciclos políticos e financeiros da UE estão desfasados: com o actual orçamento comunitário fechado até 2027, os governos terão maior relutância em assumir compromissos antes da discussão sobre a distribuição dos fundos do próximo quadro plurianual.

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