Entrevista: hidrogénio como motor da competitividade para Portugal?

Luís Vasconcelos, partner da Deloitte, reflecte sobre as oportunidades face à actual e potencial indústria do hidrogénio verde em Portugal.

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Com que obstáculos económicos e tecnológicos nos confrontamos, quais os principais concorrentes e os sectores a nível global com mais possibilidades de desenvolvimento, foram alguns dos pontos em análise pelo especialista financeiro na área da energia e infra-estruturas, Luís Vasconcelos. Numa entrevista à margem da Conferência "Hidrogénio: que caminho para Portugal?", o partner da consultora Deloitte realça que Portugal beneficia de vantagens face à produção de energias renováveis e acredita que é possível atingir um reequilíbrio a favor da competitividade portuguesa no mapa do hidrogénio europeu e mundial. A dependência energética e a pobreza energética, sobre as quais faz questão de estabelecer as diferenças, são também temas em destaque nesta conversa sobre os caminhos do hidrogénio.

Tendo em conta a sua visão estratégica e experiência, considera que a expansão do hidrogénio na indústria portuguesa representa um salto quantitativo para a economia do país?

A resposta é sim. Como Portugal tem vantagens competitivas na área das energias renováveis, e no preço dessa produção, então, dentro do mapa europeu e até do mapa mundial, o país está bem posicionado para a produção de hidrogénio verde. Além disso, existe também uma boa infra-estrutura portuária, que permite a importação e exportação de produtos de hidrogénio. No futuro vamos assistir a um conjunto crescente de indústrias que vão estar dependentes do hidrogénio verde e que vão beneficiar os países que tiverem as melhores condições para produzir esse mesmo hidrogénio.

E para além do papel que terá na descarbonização, o hidrogénio poderá também ter algum impacto no que diz respeito à pobreza energética e à dependência energética que tem vindo a agudizar-se, principalmente com a questão do conflito na Ucrânia?

São duas coisas diferentes, uma é a pobreza energética, outra a dependência energética. Hoje estamos totalmente dependentes energeticamente, não só Portugal como também a Europa, porque estamos muito dependentes de combustíveis fósseis que não produzimos. E no futuro, se migrarmos para a produção de energias renováveis, então ficamos dependentes de fontes de energia que nós produzimos. Em relação à dependência energética, o advento das energias renováveis é positivo. Em relação à pobreza energética, existe a questão relacionada com o preço, as pessoas não utilizam mais energia por falta de meios económicos. Geralmente as novas tecnologias implicam mais custo, o que não é bom para a pobreza energética porque ou o Estado subsidia quem está nessa situação de pobreza ou a situação vai agravar-se.

Considera que o custo pode ser a razão para algum cepticismo perante o papel do hidrogénio na transição energética, ou seja, se não for viável do ponto de vista económico as empresas e os órgãos institucionais ficam reticentes em apostar no desenvolvimento desta tecnologia?

É exactamente isso. O grande cepticismo que existe em relação ao hidrogénio verde está relacionado com um preço muito superior ao hidrogénio cinzento, embora também já tivéssemos passado por tempos em que o hidrogénio verde conseguia ser mais competitivo que o cinzento. Logicamente há mais factores, por exemplo questões de escala relacionadas com a produção de hidrogénio. O tema da electrólise da água é conhecido desde o início do século XIX. O que nunca se fez foi a produção de hidrogénio em grande escala a partir deste processo, portanto existem questões de desenvolvimento técnico que ainda estão por ser materializadas. Há também a questão do armazenamento do hidrogénio de forma compacta. O hidrogénio para chegar ao estado líquido precisa ser arrefecido a temperaturas baixíssimas e ser altamente comprimido. Tudo isto tem custos e dificuldades técnicas. Em síntese, o principal problema é o preço e aparece ligado a uma série de questões técnicas, porque na realidade a molécula de hidrogénio é difícil de lidar, o que explica porque no início se tenha investido nos combustíveis fósseis e não no hidrogénio.

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Luís Vasconcelos, durante a apresentação das perspectivas globais para o sector do hidrogénio, na Conferência "Hidrogénio: que caminho para Portugal".

Se partirmos do princípio de que a questão do preço do hidrogénio poderá ser resolvida se aumentarmos a escala, naturalmente o custo poderá baixar. O que considera ser o maior desafio para esta escalabilidade?

A escalabilidade e a redução do preço do hidrogénio associam-se a dois factores: um é a redução do preço dos equipamentos, dos electrolisadores, e outro a redução do preço da própria electricidade. Basicamente, a produção de energias não renováveis em Portugal significa a produção a partir dos ciclos combinados de gás natural. E, portanto, por muita energia renovável que já tenhamos - e somos um bom exemplo do mix energético - temos que obter uma quantidade de energia renovável muito mais próxima da quantidade de consumo que existe em Portugal. Nesse sentido, precisamos alargar a rede eléctrica e ter pontos de ligação para que os novos parques de energias renováveis possam ter acesso à rede e chegar aos consumidores.

Em Portugal, o número de horas de produção dos parques eólicos e solares nunca ultrapassa 56-57% no agregado e um electrolisador para funcionar de forma eficiente economicamente deve estar ocupado a cerca de 70% do tempo. Existem outros sítios do mundo em que se consegue com a energia dos novos parques eólicos chegar a taxas de utilização dos electrolisadores muito mais perto dos tais 65-70% que economicamente são requeridos. A projecção que existe, por exemplo, para o offshore do Reino Unido, é que em 2040 só as turbinas offshore consigam funcionar 63% do tempo e temos também o caso do Brasil com parques eólicos que funcionam a 41% das horas e nos melhores casos a 59% das horas pelo que conjuntamente com a energia solar se chega a uma ocupação eficiente dos electrolisadores. Em Portugal, ainda é necessário expandir a oferta de renováveis e complementar com a capacidade de armazenagem da energia.

Como é que encara a Estratégia Nacional para o hidrogénio? O investimento que está a ser feito ou que está previsto está a ser bem canalizado?

Existem iniciativas em todas as frentes para que o hidrogénio possa vir a ser um sucesso. Os primeiros interessados em fazer projectos de hidrogénio verde são os que estão associados à substituição de hidrogénio cinzento, porque estes produtores suportam o pagamento de licenças de CO2, inerentes ao hidrogénio cinzento que estão a produzir. Como o preço dessas licenças vai subir, então têm um problema para resolver. Numa fase inicial, mesmo assim, os novos projectos vão custar mais do que o hidrogénio cinzento, mas com subsídios e com a perspectiva de que vão ter que pagar ao longo do tempo taxas acrescidas de emissão de CO2, vão ter o incentivo para fazer os investimentos no hidrogénio verde.

Depois existem outros sectores que podem ser subsidiados por iniciativa pública, por exemplo os transportes públicos, com incentivos para frotas de autocarros a hidrogénio. As primeiras iniciativas desse género já estão a acontecer. E depois existem os compradores internacionais para produtos construídos, a partir do hidrogénio, nomeadamente o metanol, no qual já estão a ser feitos grandes investimentos na indústria do transporte marítimo.

Qual seria o conselho que daria às empresas portuguesas para apanharem este comboio do hidrogénio e estarem na carruagem da frente? O que poderemos fazer para nos anteciparmos face ao teatro europeu e sermos um país mais competitivo?

Em parte dependemos de nós, em parte dependemos da evolução da indústria, da competitividade, das soluções técnicas e dos sistemas, etc. Não faz muito sentido atirarmos toneladas de subsídios para cima de soluções, numa altura em que ainda não são economicamente viáveis, acabando por ficar com sobrecustos acrescidos que apenas atrasam a nossa competitividade e não a aceleram. Devemos apostar em sectores onde o hidrogénio parece ter uma utilização mais imediata e racionalidade económica, nomeadamente os que acabei de indicar.

Portugal, tendo uma escala menor, vai conseguir competir com potências que até agora, historicamente, tinham energia mais barata e por isso indústrias mais fortes? Considera que poderá haver aqui uma mudança no status quo?

Acredito que vai haver um reequilíbrio a nosso favor para sermos mais competitivos. Mas temos de contar que também há outros países que têm condições de competitividade na produção de energia renovável extremamente favorável. Portanto, temos que ser realistas, não devemos pensar que seremos o país mais competitivo em termos energéticos da Europa ou até a nível mundial, mas temos de conseguir ser mais competitivos do que éramos antes.


Este conteúdo está inserido no projecto "Hidrogénio: que caminho para Portugal?", que inclui ainda um podcast, case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema do hidrogénio em Portugal. Saiba mais aqui.