Villas-Boas chumba contas do FC Porto e reclama devolução de prémios à administração
Antigo treinador dos “dragões” lamenta que a actual direcção esteja a “hipotecar o futuro” do clube.
A chuva afastou muitos sócios do FC Porto, mas foram várias as centenas que fizeram questão de marcar presença no Dragão Arena, na noite desta quarta-feira, para votar as contas relativas a 2022-23. André Villas-Boas foi dos primeiros a chegar, poucos minutos passavam da abertura dos portões, tendo assumido, perante um pavilhão repleto, o chumbo ao relatório e contas colocado a votação.
O antigo técnico do FC Porto, que conseguiu fintar os jornalistas à entrada para o recinto, aproveitou a intervenção na Assembleia Geral (AG), na qualidade de sócio número 7616, para deixar claro que não concorda com o rumo que o clube tem seguido, apontando o dedo à escalada da dívida e do passivo que os "dragões" têm acumulado desde 2011 - nessa altura registavam uma dívida financeira de 98 milhões de euros e um passivo total e 202 milhões de euros.
"Doze anos depois, a dívida financeira é de 311 milhões de euros e o passivo total de 499 milhões. Os capitais próprios são negativos em 199 milhões de euros. Desde 2011 a administração do FC Porto recebeu mais de 27 milhões de euros em remuneração fixa e variável", apontou, lamentando a antecipação de receitas e a ausência de "visão, planeamento e modelo de negócio".
O discurso de André Villas-Boas, que já prometeu candidatar-se à presidência do clube mas ainda não assumiu uma entrada oficial na corrida, chegou a ser interrompido por outro sócio, mas a pronta actuação do presidente da Mesa da AG, Lourenço Pinto, permitiu sanar a situação.
"Pergunto aos membros da direcção se seriam capazes de hipotecar o futuro das vossas famílias na proporção e à velocidade a que hipotecam o futuro do FC Porto?", prosseguiu Villas-Boas. "Pelo exposto, não tenho alternativa a não ser manifestar a minha reprovação às contas, condicionando a aprovação das mesmas à devolução da remuneração variável recentemente recebida pela actual administração".
Segurança reforçada
Depois dos incidentes registados no passado dia 13 de Novembro, o dispositivo de segurança privada no interior do pavilhão foi reforçado, com a Polícia de Segurança Pública (PSP) a manter-se novamente fora do Dragão Arena. Do lado dos dirigentes, multiplicaram-se os apelos para que não se repetissem incidentes que manchassem a reunião magna. Dentro dos Super Dragões, Fernando Madureira, líder da claque, também pediu contenção.
O desejo de que esta reunião não voltasse a ser abordada pelos piores motivos era expresso pelo primeiro grupo de sócios a entrar para o pavilhão. Mário Silva já andava pelas imediações do Estádio do Dragão às 18h, três horas antes do início dos trabalhos. “Quero ver por mim o que acontece, não ouvir de outros”, justifica o portista, sócio há mais de 55 anos.
Também na assembleia que seria interrompida por agressões e insultos, Mário Silva tinha chegado ao Estádio muito antes da abertura de portas. Mostrando-se optimista de que os sócios iriam comportar-se com urbanidade, o "dragão" desvalorizou a importância dada aos incidentes nos dias seguintes. “Houve alguns empurrões e bocas, mas não vi porrada”, reitera. Mal acaba esta declaração, é imediatamente contrariado por um adepto a seu lado: “Houve porrada, sim senhor. Notava-se claramente uma divisão entre apoiantes de Pinto da Costa e os restantes. O que se passou foi vergonhoso, mas acho que hoje vai correr tudo bem.”
A espera para a entrada no pavilhão fez-se do debate de variados assuntos, das finanças do clube até ao acto eleitoral de Abril. Dos sócios deste grupo inicial que o PÚBLICO auscultou, todos se mostraram favoráveis à continuidade de Pinto da Costa, com críticas ao facto de André Villas-Boas não ter marcado presença dentro do pavilhão no passado dia 13.
Júlia Barbosa foi a excepção: a adepta ferrenha dos portistas – que faz questão de fazer saber que a primeira palavra do neto foi "Pepe" – defende um modelo “híbrido” na presidência dos “dragões”. Mas considera que Villas-Boas “não pode ter medo”, relembrando uma assembleia geral em que Pinto da Costa disse que preferia sofrer a explosão de uma bomba do que evacuar o auditório.
“Tenho muito respeito por Pinto da Costa, quero que continue. Mas quero que quem o rodeia saia, não estão a fazer bem ao clube. Até gostava que se juntasse com o André Villas-Boas, não sei por que se chatearam. Villas-Boas podia ser a sucessão, mas tem de ganhar coragem”, reitera a adepta.
"Não é futuro para o clube"
O relatório e contas relativo ao exercício de 2022-23 do clube revelou um resultado líquido negativo de 2,4 milhões de euros. Na base deste prejuízo surgem os gastos operacionais, na ordem dos 18,5 milhões de euros. As receitas associativas (aproximadamente 6,6 milhões em 2021-22 contra 6 milhões em 2022/23) baixaram, explicando a diferença global.
Após dois exercícios consecutivos de lucro, a SAD portista verificou um resultado líquido consolidado negativo de 47,627 milhões de euros na temporada 2022-23. Os resultados apresentados ainda não englobam a transferência do internacional português Otávio para os sauditas do Al Nassr, num negócio concluído por 60 milhões de euros, no passado mês de Agosto.
“Provavelmente votarei contra, não subscrevo novamente estas contas do FC Porto. Não me revejo nelas, isto não é futuro para o clube”, adiantou Nuno Lobo, o único candidato oficial às eleições de Abril de 2024. O empresário entrou no Dragão Arena com esperança de ver “democracia e liberdade de expressão” nesta reunião magna.