Sultan al-Jaber: um homem do petróleo no centro das decisões climáticas

O patrão da indústria petrolífera dos Emirados Árabes Unidos, que vai presidir à COP28, defende uma transição energética “flexível e ágil”.

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Sultan al-Jaber, o presidente da COP28 Reuters/JANA RODENBUSCH
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O dono de uma tabaqueira à frente de uma campanha de prevenção do cancro do pulmão. A raposa a quem foram entregues as chaves do galinheiro. Será possível, com certeza, encontrar mais analogias para constatar o facto de que o presidente designado da COP28, que começa esta quinta-feira no Dubai, é também o patrão do sector petrolífero dos Emirados Árabes Unidos (EAU), o CEO da ADNOC, a 12.ª maior empresa produtora mundial de petróleo.

E se a nomeação de Sultan al-Jaber para anfitrião-mor da cimeira do clima das Nações Unidas gerou logo à partida a desconfiança natural dos activistas climáticos, a recente notícia, avançada pela BBC, de que os EAU planearam discutir negócios de gás natural e outros acordos comerciais antes do arranque da COP28 só serviu para adensar as dúvidas sobre a legitimidade do país do golfo para organizar o conclave, mesmo que o próprio Al-Jaber já tenha desmentido. Como pode um homem do petróleo presidir a uma cimeira destinada a encontrar soluções para reduzir a dependência global dos combustíveis fósseis e que, como as anteriores e as que estão para vir, é sempre decisiva para o futuro da Humanidade? Como é que se convence o mundo de que um petro-Estado está genuinamente interessado em combater as alterações climáticas?

No entanto, classificar o também ministro da Indústria e Tecnologia Avançada dos EAU como apenas mais um falcão da indústria petrolífera, cuja empresa que dirige não esconde os planos que tem para aumentar a capacidade de produção para 5 milhões de barris por dia até 2027, não chega para pintar o retrato completo do homem que foi encarregado, em Janeiro, de dirigir a cimeira climática deste ano e cujas qualidades como um negociador focado nos resultados já foram elogiadas, por exemplo, por John Kerry: o enviado dos EUA para o clima chegou a dizer que Al-Jaber era “uma excelente escolha” para presidir à cimeira do Dubai.

Para além de dirigir a petrolífera estatal dos EAU, a Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), Sultan al-Jaber é também o CEO da Masdar Clean Energy, empresa também estatal que desenvolve, desde 2006, projectos de energias renováveis em várias partes do mundo. E que tem como grande montra a ainda incompleta Cidade de Masdar, uma espécie de “hub” empresarial e tecnológico situado nos arredores da cidade de Abu Dhabi que é alimentado por uma central fotovoltaica de 100 megawatts.

É o facto de ter um pé em cada mundo — o dos combustíveis fósseis e o das energias renováveis — que, segundo John Kerry, faz dele o homem certo no lugar certo para dirigir os trabalhos da COP28. “Ele e a sua equipa estão empenhados em trazer para a mesa de negociações outros interesses relacionados com o petróleo e o gás, e penso que precisamos disso”, disse o enviado norte-americano para o clima, citado pelo The Intercept.

Entre os tais interesses do petróleo e do gás que estarão presentes no Dubai a partir desta quinta-feira, e que salta imediatamente à vista, está o secretário-geral da OPEP, Haitham al-Ghais, para além dos muitos lobistas da indústria petrolífera cuja presença em anteriores Conferências das Partes, o nome oficial das cimeiras climáticas da ONU, não tem parado de aumentar: na última COP, realizada no ano passado em Sharm el-Sheikh, no Egipto, a contagem foi de mais de 600 lobistas dos combustíveis fósseis, um aumento de 25% em relação à cimeira anterior (Glasgow, 2021) e, no total, maior do que qualquer delegação nacional.

Sem a inclusão dos líderes do sector dos combustíveis fósseis no debate sobre o clima, a transição ordenada para uma economia de baixo carbono é impossível, chegou a dizer Al-Jaber, uma ideia que lançou o alarme entre os activistas. Greta Thunberg considerou a sua nomeação como presidente da COP28 “completamente ridícula”, enquanto o antigo vice-presidente dos EUA, Al Gore, um activista do clima de longa data, afirmou mesmo que os interesses dos combustíveis fósseis tomaram conta do processo climático da ONU.

Comparando com outros Estados produtores de petróleo do Golfo, as credenciais “verdes” dos Emirados Árabes Unidos fazem a diferença, principalmente em relação à vizinha e aliada Arábia Saudita. Os EAU planeiam gastar 54 mil milhões de dólares (49,2 mil milhões de euros) no aumento da produção de energia renovável até 2030. Mas, ao mesmo tempo, a ADNOC, a petrolífera estatal gerida por Al-Jaber, reservou três vezes mais dinheiro, 150 mil milhões de dólares (136,7 mil milhões de euros) para a referida expansão da produção de petróleo e gás até 2027.

Em Março, dois meses depois de ter sido nomeado presidente da COP28, Al-Jaber foi a Houston para a CERAWeek, uma mediática conferência dedicada à energia. No Texas, apelou aos patrões das maiores empresas mundiais de combustíveis fósseis para se juntarem à luta contra as alterações climáticas, repescando a famosa frase do astronauta norte-americano Jim Lovell durante o incidente que deixou em perigo a missão Apollo 13, em 1970.

“Houston, temos um problema”, disse Al-Jaber aos cerca de mil participantes. Desde então, tem trabalhado para que mais de 20 empresas do sector do petróleo, do gás e da indústria pesada concordem em comprometer-se a reduzir as emissões durante a cimeira no Dubai. Em Outubro, recebeu em Abu Dhabi mais de 60 executivos de topo dos sectores do petróleo e do gás, do cimento, do alumínio e de outras indústrias pesadas para lhes dizer que a redução progressiva dos combustíveis fósseis é inevitável e essencial, mas como parte de um plano de transição energética abrangente e reflectido que tenha em conta as circunstâncias de cada país e região, a ideia que motivou a desconfiança dos activistas.

“Um formato único não funciona, por isso temos de ser flexíveis e ágeis”, afirmou nessa altura à Reuters, confiante de que ainda é possível manter intacta a meta de limitar o aquecimento global aos 1,5 graus, a “nossa Estrela Polar que não podemos perder de vista”, atirou, mesmo perante os relatórios que dão tal objectivo como quase impossível tendo em conta o aumento contínuo das emissões verificado nos últimos anos. E que contou, naturalmente, com a contribuição de Sultan al-Jaber: os Emirados Árabes Unidos são o 7.º maior produtor mundial de petróleo, com mais de quatro milhões de barris diários produzidos em 2022, um aumento de 450 mil barris em relação ao ano anterior.