Médio Oriente: realismo, diplomacia e esperança

Apelámos [Portugal] a um cessar-fogo, secundando os apelos urgentes do secretário-geral das Nações Unidas.

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Os bárbaros ataques terroristas do Hamas a 7 de outubro voltaram a incendiar as brasas, que nunca se apagaram, do conflito no Médio Oriente. O registo histórico e a realidade distópica do presente só permitem concluir que estamos perante uma gravíssima falha coletiva da comunidade internacional, alimentada nestes últimos anos pela ideia de que, se nada fizermos, o tempo (e a força) se encarregarão de tudo resolver.

Pura ilusão.

A brutalidade e a violência das últimas seis semanas trataram de demonstrar à saciedade que paz e segurança não acontecerão simples e espontaneamente, se não houver, de ambos os lados, a vontade política e um sentimento de justiça e dignidade.

Visitando Israel, Palestina, Jordânia e Egito nos últimos dias, pude sentir como há ainda um caminho a percorrer para termos condições mínimas para um entendimento. E, no entanto, foi igualmente palpável a urgência e o dramático reconhecimento de não podermos mais continuar sem agir decisivamente.

Passaram já três décadas desde o primeiro Acordo de Oslo, em que o histórico representante palestiniano, a Organização de Libertação da Palestina, reconheceu a existência e a legitimidade do Estado de Israel.

Desde então, nada se progrediu no sentido da solução de dois Estados, a única possibilidade para a paz na região. Pelo contrário, e sobretudo na última década e meia, os avanços incentivados dos colonatos nos territórios ocupados ilegalmente por Israel, o estrangulamento financeiro da Autoridade Palestiniana e o crescimento do extremismo devido ao esvaziamento de fontes de esperança do lado palestiniano transformaram a visão de dois Estados comprometidos a viver em paz e segurança como vizinhos numa verdadeira miragem. Este ano de 2023 foi particularmente nefasto, com uma forte tendência de aceleração da construção de colonatos ilegais, acompanhado por injustificável violência.

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Portugal volta a apelar a um cessar fogo REUTERS/Amir Cohen

O Conselho de Segurança das Nações Unidas está bloqueado há longos anos, sendo incapaz sequer de se unir em torno das suas próprias resoluções, como a 242 de 1967 e a 338 de 1973, que impõem a retirada de Israel de territórios ocupados pela força, e a negociação entre as partes de uma paz justa e sustentável. São resoluções que, apesar de terem já mais de meio século, mantêm toda a sua pertinência.

Foi por perceber que era essencial dar um novo impulso à questão israelo-palestiniana, sem a qual a paz não será possível, que Portugal tem procurado apoiar resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas que possam imprimir uma nova dinâmica – incluindo, no final de 2022, quando se pedia ao Tribunal Internacional de Justiça que se pronunciasse quanto às questões centrais deste conflito. Se, na altura, apenas sete Estados-membros da União Europeia votaram a favor, é lícito pensar que, se fosse hoje, haveria mais alguns dos nossos parceiros da UE a associarem-se à nossa posição, e menos a oporem-se.

Há muito mérito na consistência e equilíbrio da posição portuguesa sobre o conflito no Médio Oriente, desde a instauração da democracia, e são essas qualidades que nos servem hoje de guião, neste momento em que temos de olhar simultaneamente para a situação imediata e para as questões de fundo.

Portugal não hesitou em condenar os hediondos ataques do Hamas.

Não hesitou igualmente em dizer que Israel, como qualquer Estado atacado, tem o direito de proteger a sua população e o seu território, conforme estabelecido no direito internacional e dentro dos parâmetros estabelecidos pelo direito internacional.

Não hesitou também em exigir a libertação imediata e sem condições dos reféns presos pelo Hamas, entre os quais cidadãos com nacionalidade portuguesa.

De igual modo, e em coerência com o nosso apego ao direito internacional, discordamos da abordagem que Israel tem adotado em Gaza e o castigo coletivo que esta impõe à população de Gaza, com um custo absolutamente inaceitável de milhares de mortos civis, predominantemente mulheres e crianças. Entre os mortos, não o esquecemos, estão três cidadãos nacionais, uma mãe e dois filhos menores, refugiados e indefesos.

Sublinhámos repetidas vezes o imperativo humanitário de salvaguarda da população de Gaza, e apelámos a um cessar-fogo, secundando os apelos urgentes do secretário-geral das Nações Unidas.

Sobretudo, repetimos constantemente que as causas cancerígenas da violência e da insegurança não têm solução militar.

Tudo isso foi dito e redito nos diálogos que tive no Médio Oriente. É fundamental que desta trágica situação se criem condições para o diálogo, e que deste diálogo resulte a consolidação da solução de dois Estados a viver lado a lado em paz e segurança, tal como preconizada pela política externa portuguesa há décadas.

Este momento exige uma ação internacional coletiva. Os Estados Unidos, país fundamental por aquilo que pode trazer de garantias de segurança e capacidade diplomática, tem ainda alguns meses antes de se impor a dinâmica do ciclo eleitoral.

O conjunto de países árabes tem hoje recursos financeiros e diplomáticos que lhe permite desempenhar um papel mais substantivo e influente do que era o caso em décadas anteriores.

A própria União Europeia, na realidade menos dividida do que parece, já demonstrou que está unida em torno de proposições essenciais – como a inaceitabilidade da deslocação forçada da população de Gaza, da reocupação desse território por Israel, ou da sua dissociação da Cisjordânia, e a necessidade de se restabelecer a liderança devidamente capacitada da Autoridade Palestiniana – e tem capacidade de interlocução com todos os parceiros fundamentais, estando assim habilitada a desempenhar um papel mais central do que em ocasiões anteriores.

O papel de Portugal, a partir da credibilidade que resulta de décadas de coerência, é o de contribuir, com discrição, mas empenho e persistência, para a difícil arte de tricotar linhas de entendimento entre todos.

É um dever que temos todos, para que os terríveis eventos das últimas semanas, e a falta de esperança de longos anos, não sejam os fatores que determinam o futuro.

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