Bento Teresa tem o seu olival carregado de azeitona na serra de Ficalho

Aliar a preservação dos ecossistemas naturais ao aumento da produção de azeitona no olival tradicional é o sonho de um agricultor de Vila Verde de Ficalho, no Alentejo.

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Carlos Dias
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O olival tradicional é o grande unificador da paisagem na serra de Ficalho. Desde o limiar do século XIX que o olival ordenado caracteriza este lugar, uma das raras elevações de terreno, com 522 metros de altitude, que sobressai na ondulada planície alentejana. O relevo combina a intervenção humana e os derradeiros vestígios de coberto vegetal natural, onde se destacam dezenas de milhares de oliveiras centenárias. Cobrem quase metade dos cerca de 9000 hectares da área que se estende pelas serras da Adiça e de Ficalho e a planície envolvente.

Um levantamento dos valores naturais das serras da Adiça e de Ficalho, realizado pelo Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga para a Protecção da Natureza (CEAE-LPN), conclui que o olival na peneplanície e nas serras da Adiça e de Ficalho ocupa 3750 hectares, caracterizando-se pela “regularidade na disposição das árvores”, um quadro que se mantém, no essencial, inalterado desde que se procedeu à sua plantação. Um olival que “persiste e resiste” durante quase dois séculos, e que hoje representa uma espécie de ilha que progressivamente tem vindo a ser rodeada de olivais modernos, que já chegam ao sopé da serra de Ficalho.

O produtor de olival biológico Bento Teresa, natural de Vila Verde de Ficalho, atribui à fragmentação da propriedade a salvação do ecossistema que a natureza e o homem foram harmonizando, ao longo de muitas décadas, na serra de Ficalho, evitando a aquisição do território que delineia a fronteira com Espanha para outros fins que certamente colocariam em causa o extenso olival.

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Bento Teresa é agricultor e produtor de olival biológico Carlos Dias

O agricultor explica com o seu próprio exemplo as “tremendas dificuldades” que teve de superar para dar maior dimensão à sua exploração agrícola. “Fiz mais de 80 escrituras no processo de compra de pequenas courelas de olival, que na maior parte dos casos estavam abandonadas”, para, desta forma, avançar para uma experiência onde espera poder vir a ter sucesso: recuperar o olival tradicional para o transformar e dar sequência à produção em regime biológico que já ocupa cerca de 70 hectares. Outro tanto está a ser preparado, mas o projecto final pretende chegar aos 200 hectares, na serra de Ficalho.

“A água, sobretudo a que vem do céu, faz milagres”

“Devo ser dos poucos que têm produção biológica”, presume Bento Teresa quando acompanhava o PÚBLICO num percurso pela sua exploração. Depois de meses de grande secura, e quando se esperava mais um ano de fraca produção, as árvores apresentavam-se viçosas e carregadas de azeitona, que verga as ramadas. Ao lado, à distância de um caminho, outros cerca de 70 hectares apresentam árvores praticamente sem azeitona por não serem ainda regadas.

“A água, sobretudo a que vem do céu, faz milagres”, explica o agricultor, para realçar a importância do sistema de rega que instalou no olival tradicional, que densificou até às 280 árvores por hectare, preenchendo o espaço entre linhas com as variedades Cordovil, Verdeal e Picual, para obter maior produção. Quanto à água, vai buscá-la aos furos e é bombeada para três depósitos, em tela, que se escondem na paisagem e que têm capacidade para armazenar no seu conjunto 450 mil litros. A energia é fornecida por painéis fotovoltaicos.

Manter salvaguardada a paisagem da serra “é a minha preocupação”, frisa o agricultor, que se assume como defensor acérrimo da “harmonia entre a natureza e a actividade humana”, onde se destaca uma “ferida” deixada por uma pedreira abandonada.

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Ver o solo a desaparecer

As práticas agrícolas também preocupam o agricultor, que aponta a decisão errada dos que mobilizam o solo nas encostas da serra de Ficalho. O levantamento feito pelo CEAE-LPN identificou “fenómenos erosivos, associados em grande medida a práticas agrícolas incorrectas” que recorrem à mobilização excessiva do solo através da lavra mecânica e da gradagem nas zonas de maior declive, de alto a baixo, em vez de seguir as curvas de nível, e onde o solo já se apresenta pouco espesso. “Com as chuvadas torrenciais, a erosão do solo acentua-se”, refere-se no levantamento realizado pelo CEAE-LPN.

“Não faço movimentação de terras e recorro à adubagem do olival com matéria orgânica que vai na rega”, explica Bento Teresa, que opta por deixar crescer a vegetação natural, “para não ver o solo desaparecer”. Em zonas com declive acentuado, a “vegetação natural não deve ser eliminada”, salienta o agricultor. É preferível ter matos que protegem o solo e fornecem abrigo à fauna do que ter “campos inférteis, linhas de água assoreadas e cheias frequentes”, acrescenta o CEAE-LPN.

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“Eu sou o técnico da minha exploração, adquiri e coloquei os equipamentos de rega e densifiquei a mancha de olival para 280 árvores por hectare”, sublinha o agricultor, que diz estar consciente dos condicionalismos que gradualmente estão a ser colocados ao olival tradicional, quando a produção em regime superintensivo possibilita níveis de rentabilidade que o tradicional nunca poderá alcançar.

Mesmo assim, pode alcançar nichos de mercado que estarão receptivos ao azeite biológico produzido pelo olival tradicional desde que este seja densificado, regado e modernize os processos de colheita. Desta forma, “consigo obter entre sete mil e oito mil quilos de azeitona por hectare, quando no sequeiro se recolher mil quilos já é bom”, conclui Bento Teresa.