Aumentou a pobreza energética, mas diminuiu o não-pagamento da prestação da casa

Investigadores consideram estranho que não haja mais dificuldades no pagamento de rendas. E admitem que algumas famílias tenham optado por desviar para as rendas o que antes gastavam noutros consumos

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Com as dificuldades que se vivem no sector da habitação esperava-se que mais pessoas tivessem dificuldade em pagar a renda ou a prestação da casa Miguel Manso (arquivo)
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Se tivessem pedido ao investigador Carlos Farinha Rodrigues que arriscasse apontar dois indicadores de privação material e social que iriam crescer em 2023, ele não teria muitas dúvidas em colocar nessa lista o número de pessoas com atrasos nos pagamentos regulares relativos a rendas, prestações de crédito ou despesas correntes da residência principal, a par daquelas sem dinheiro para uma refeição de carne ou de peixe (ou equivalente vegetariano), pelo menos de dois em dois dias. Estaria enganado.

O que o Instituto Nacional de Estatística (INE) nos diz relativamente a 2023 é que, num cenário em que o número de indivíduos em privação social e material se manteve estável (12%), tendo mesmo diminuído 0,4 pontos percentuais para 4,9% nos casos de privação material e social severa, aqueles dois itens caíram, respectivamente, de 6,1% para 5,2% e de 3% para 2,3%. “Estaria expectante que as famílias revelassem maiores dificuldades nestas duas componentes, mas curiosamente isso não aconteceu...”, refere o investigador, que considera estes valores “relativamente estranhos”.

E qual a razão possível para isto acontecer? “É preciso um estudo mais aprofundado para responder a isso, mas podemos tentar uma explicação: face a uma situação de crise, algumas famílias optaram por desviar os seus consumos de alguns aspectos que consideram menos relevantes”, afirma.

O sociólogo Fernando Diogo também considera “curioso” que tenha caído o número de pessoas que se atrasaram a pagar despesas como a prestação da casa, mas não quer arriscar qualquer potencial explicação. “É curioso num contexto em que estamos com um sério problema de habitação. Mas temos de ter em conta que estamos a falar de números muito pequenos e temos de ter muito cuidado com generalizações. A única coisa segura é que diminuíram os problemas, o que é particularmente relevante num contexto em que há um aumento das dificuldades na habitação, quer por via da inflação, quer por via da pressão do alojamento local no mercado habitacional. É uma redução que parece o contrário do que seria expectável”, diz.

O indicador de privação material e social avalia situações em que as pessoas não têm acesso a alguns dos 13 itens previamente seleccionados, por dificuldades económicas. Se não consegue aceder a cinco desses itens, considera-se que existe privação; se esse número subir para sete, há privação severa.

Entre os itens considerados, regista-se um aumento da percentagem de pessoas que não conseguem manter a casa aquecida — representam 20,8%, quando eram 17,5% em 2022. Este agravamento que Carlos Farinha Rodrigues considera “muito expressivo” já não o surpreende, uma vez que “a situação de pobreza energética é das que mais reagem às situações de crise”, diz.

Os dados agora revelados indicam ainda que, este ano, a percentagem de pessoas sem capacidade para pagar uma semana de férias fora de casa subiu para 38,9% (era de 37,2% no ano passado), enquanto a percentagem daqueles que não possuíam um automóvel por razões económicas também registou um ligeiro aumento de 0,4 pontos percentuais, para 4,7%.

Já o número de pessoas sem capacidade para responder, no imediato, a uma despesa inesperada subiu de 29,9% para 30,5% e a percentagem daqueles que não podiam encontrar-se com amigos ou familiares para uma bebida ou uma refeição pelo menos uma vez por semana subiu de 6,1% para 7,7%.

Em sentido oposto, diminuiu a percentagem de pessoas incapazes de substituir roupa usada por nova (a percentagem está nos 6,8%, quando em 2022 era 7,3%) e também, embora de forma quase imperceptível, a das pessoas sem possibilidade de ter acesso à Internet para uso pessoal em casa — era 2,6% em 2022 e baixou 0,1 pontos percentuais este ano — ou de terem dois pares de sapatos adequados. São agora 0,9% da população e em 2022 eram 1%.

Para segundo plano fica mesmo a possibilidade de substituir mobiliário usado — em 2023, 39,8% das pessoas afirmaram não ter disponibilidade financeira para o fazer. No ano passado eram 36,4.

Os outros itens avaliados neste indicador dizem respeito à impossibilidade para a participação regular numa actividade de lazer (são 10,9% em 2023, eram 10,4% em 2022) ou para gastar semanalmente algum dinheiro consigo próprio. Pelo menos 9,7% da população dizia não o poder fazer em 2022 e este ano essa percentagem subiu para 10,3%.

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