Elvira Fortunato já tinha defendido novas parcerias com universidades estrangeiras

Ministra da Ciência tinha referido, em Julho, que as parcerias com universidades norte-americanas eram um “processo em avaliação”. Os termos da nova negociação poderão deixar MIT de fora.

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Parcerias norte-americanas estão a ser renegociadas, garante ministra Elvira Fortunato RODRIGO ANTUNES/LUSA
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Já em Julho deste ano, na sequência do Conselho de Ministros dedicado à ciência e ao ensino superior, realizado em Aveiro, a ministra da Ciência, Elvira Fortunato, defendia: “Estas três parcerias [com universidades norte-americanas] terminam no final deste ano. De qualquer das maneiras, é intenção do Governo reforçar as parcerias com universidades. Aliás, queremos reforçar parcerias com as melhores universidades, não quer dizer que sejam só americanas.” O anúncio do fim das parcerias no final deste ano e o simultâneo intuito de reforçar as parcerias com universidades estrangeiras já tem seis meses.

No caso do reforço das parcerias, este incluía particularmente a ligação a universidades asiáticas e europeias – algo que agradou, no mesmo mês de Julho, ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP).

O diferendo entre o fim ou a continuidade das parcerias do Governo português com as universidades norte-americanas não é recente. O primeiro alerta terá sido dado em Junho deste ano pela voz de António Sousa Pereira, à época presidente do CRUP, quando revelou que tinha recomendado a suspensão das parcerias com a Universidade Carnegie Mellon, o Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) e a Universidade do Texas em Austin. Em causa estava, sobretudo, o financiamento de 309,6 milhões de euros, de acordo com Sousa Pereira, enviado nos últimos 17 anos para estas três instituições.

As parcerias alinhavadas com estas três instituições foram criadas em 2006 através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) – na altura incluíam também a Universidade de Harvard, um programa, entretanto, terminado. Apesar de o programa estar activo até 2030, havia um prazo a 31 de Dezembro deste ano: se não fossem terminadas, as parcerias renovavam-se automaticamente. Ao PÚBLICO, Pedro Arezes, director do programa MIT-Portugal, disse que a FCT confirmou directamente ao MIT, em Julho, que não pretendia renovar a parceria. O mesmo terá acontecido com os outros dois programas – da Universidade Carnegie Mellon e da Universidade do Texas – conforme diz o Expresso na última sexta-feira.

Nova proposta “será difícil” de aceitar

O término dos programas não implicará o fim das parcerias com universidades norte-americanas, como garante o gabinete da ministra em comunicado enviado este domingo. “O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior não pôs um fim às referidas parcerias. Em vez disso, e porque o contrato vigente terminará a 31 de Dezembro, prevendo uma renovação automática até 2030, a tutela, através da FCT, iniciou um processo de renegociação para um novo contrato.”

A renegociação já terá sido enviada pela FCT, como explica Pedro Arezes ao PÚBLICO. No entanto, no caso do programa com o MIT, a proposta incluirá a necessidade de um grau de doutoramento dual – ou seja, os estudantes ficam com doutoramentos pelo MIT e pela universidade parceira em Portugal. E isto, na percepção do professor da Universidade do Minho, “será difícil”, uma vez que os estatutos do MIT impedem a atribuição de doutoramentos duais, diz. Esta terá sido a primeira proposta de renegociação e que está ainda pendente de resposta do MIT.

No entanto, esta poderá não ser a última proposta. Elvira Fortunato, em declarações à TSF este domingo, refere que está a “equacionar se do ponto vista ético e credível o país deve negociar acordos com carácter plurianual”, dado que o Governo está demissionário e existem eleições marcadas para 10 de Março. “Não sabemos em que medida o próximo Governo estará disposto ou não a continuar as parcerias”, referiu.

“A colaboração com Portugal já existia antes de 2006 e continuará a existir depois deste ano”, nota Pedro Arezes, afirmando que esta é uma “decisão política” sobre os benefícios destas parcerias, criticadas pelo CRUP e pela Comissão dos Laboratórios Associados ao longo dos últimos meses.

“A FCT enviou uma carta a essas instituições com os termos da nova renegociação e na qual afirma que pretende preservar a cooperação internacional para além da cessação deste acordo específico”, refere o comunicado. O PÚBLICO não obteve mais esclarecimentos do Ministério da Ciência.

Quase duas décadas de parceria

As parcerias nascidas com o programa GoPortugal – Parcerias Globais de Ciência e Tecnologia para Portugal foram criadas no Governo de José Sócrates, quando José Mariano Gago era responsável pela pasta da Ciência. Estávamos em 2006 e, além das três universidades norte-americanas, juntou-se em 2008 a Sociedade Fraunhofer, que permitiu a criação do instituto Fraunhofer Portugal, no Porto.

No final de 2017, o prazo destas parcerias tinha terminado, mas havia espaço para nova renovação – com as quatro instituições. “O balanço não podia ser melhor”, dizia ao PÚBLICO o então ministro da Ciência, Manuel Heitor. Destacava-se a criação de empresas como a Feedzai ou a Unbabel, que terão beneficiado da presença dos investigadores portugueses em programas de intercâmbio, por exemplo. Ainda assim, já na altura não havia estudos de avaliação de impacto destas parcerias internacionais.

No final de 2022, a FCT pediu pareceres sobre o impacto das parcerias internacionais e a relevância da sua continuidade ao CRUP, ao Conselho de Laboratórios Associados, ao Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, aos conselhos científicos da própria FCT e a outras entidades do país, segundo afirma o Ministério da Ciência. É desses contributos que nascem as propostas de renegociação enviadas às instituições, acrescenta o comunicado, sem especificar o conteúdo dessas propostas.

Os programas com universidades estrangeiras nasceram com o intuito de aumentar a formação de doutorados e a capacitação científica dos investigadores portugueses, fomentando os doutoramentos externos e os intercâmbios para estas universidades. Desde 2018, no entanto, o intuito das parcerias era criar mais oportunidades de emprego científico e reforçar o investimento em áreas mais promissoras, como a supercomputação – de onde surgiu o centro de computação avançada localizado na Universidade do Minho.

“O seu impacto em Portugal e no mundo tem sido reconhecido ao melhor nível internacional e o seu cancelamento precipitado e sem uma avaliação séria só pode mostrar a arrogância de não querer perceber a história recente do sucesso da ciência e formação superior em Portugal”, defendeu Manuel Heitor, esta sexta-feira, em declarações ao Expresso.

O financiamento de projectos de investigação, mais de 300 desde 2007, e o apoio a cerca de 1500 alunos de mestrado e doutoramento estão entre os principais dados do impacto científico destas parcerias. Os directores dos programas de parceria sublinham a criação tecnológica e empresarial como um benefício claro destes programas.

Não se conhece, ainda assim, nenhuma avaliação de impacto destas parcerias desde 2018. A decisão da renegociação destes acordos já não estará nas mãos do Governo e da FCT, já que a próxima resposta partirá das três universidades norte-americanas – resta saber se aceitarão as condições da proposta portuguesa.

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