COP28: O papel central da UE na transição ecológica mundial
A 28.ª cimeira anual das Nações Unidas sobre o clima (COP28) terá início no Dubai, a 30 de Novembro de 2023, e os anfitriões, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), têm uma tarefa difícil pela frente, uma vez que há pelo menos duas grandes disputas em curso.
O Dubai será o palco do primeiro balanço global (GST – Global Stocktake, em inglês) dos progressos realizados no âmbito do Acordo de Paris. A conclusão de que os progressos alcançados até agora são insuficientes é inevitável: as emissões de gases com efeito de estufa têm de ser reduzidas em 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2019, para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius. Mas o desafio para a presidência – e para as potências em defesa da transição, como a UE – será evitar um jogo de culpas entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, voltado para o passado, e, em vez disso, ter uma discussão voltada para o futuro sobre os próximos passos a dar para manter vivos os objectivos de Paris.
O segundo grande ponto de divisão prende-se com o modelo do fundo para "perdas e danos", acordado em princípio na COP27 para compensar os países vulneráveis que têm de se adaptar às realidades das alterações climáticas. Após um ano de negociações através de um comité de transição, será apresentado um texto de compromisso à COP28. No entanto, muitas questões continuam por resolver, com uma clara divisão entre os países que seriam credores e os países devedores deste fundo. Entre estas questões, há desacordos sobre o âmbito, os tipos e a elegibilidade do financiamento e sobre quem deve contribuir para o fundo. Relativamente a este último aspecto, os Estados Unidos, em particular, estão preocupados com o facto de a linguagem exortar os países do G7 a contribuírem sem que a China e os Estados do Golfo o façam.
Basta então pensar que estas tensões têm como pano de fundo as tensões de longa data entre as potências do Sul global e os EUA e a UE, no que diz respeito ao impacto das sanções do Ocidente contra a Rússia pela sua actual agressão à Ucrânia; se a isto acrescentarmos a enorme ameaça de uma maior instabilidade na região e não só, à luz da guerra de Israel com o Hamas, poder-se-á concluir que a simples realização de uma cimeira global sem que algumas partes se afastem da mesa seria um grande sucesso.
Porém, tudo indica que a Europa e os EUA não estão dispostos a contentar-se com uma mera passagem pela COP28 e estão a pressionar para que se dêem alguns passos importantes nas próximas etapas da transição energética. Esta semana, surgiu a notícia de que França, com o forte apoio dos EUA, irá apresentar uma proposta para proibir o financiamento privado de novas centrais a carvão, através das normas da OCDE – que poderiam então ser monitorizadas por reguladores nacionais e ONG. Dados recentes de uma sondagem de opinião pública global encomendada pelo ECFR este outono mostram por que razão este será um debate difícil. Na China – uma das grandes potências mais relutantes em comprometer-se a eliminar gradualmente os combustíveis fósseis –, os cidadãos estão muito mais tranquilos em relação à continuação, e mesmo ao aumento, do investimento em combustíveis fósseis, em comparação com a Europa e os EUA, que estarão a impulsionar esta proposta. Embora todos os dados de opinião pública recolhidos na China tenham de ser analisados com a consciência de que os cidadãos poderão estar sujeitos a determinadas pressões quando respondem a algumas questões, acontece que as respostas são reveladoras.
Esta realidade vai, de facto, ao cerne do duplo desafio que se coloca aos decisores políticos europeus no momento em que se dirigem à COP28. Em primeiro lugar, é muito difícil continuar a justificar ao público europeu a necessidade de ir mais longe e mais depressa na descarbonização quando outros atores importantes, como a China – o maior poluidor do mundo, actualmente responsável por cerca de 27% das emissões globais – continuam a arrastar-se. E enquanto os líderes chineses sentirem uma pressão interna limitada para acelerar a transição ecológica, será difícil para outras potências persuadi-los a fazê-la.
Mas, em segundo lugar, embora haja uma profunda preocupação com as alterações climáticas por parte dos cidadãos europeus, estes estão também profundamente preocupados com os custos da acção climática, num período de grande preocupação com o aumento do custo de vida. E, em comparação com os cidadãos de outras partes do mundo, os primeiros sentem-se menos confiantes de que os seus países se estão a posicionar bem para beneficiar das oportunidades da transição ecológica.
Enquanto, em média, 18% dos cidadãos da UE esperam que a Europa se torne líder mundial na produção de veículos elétricos nos próximos dez anos, 46% esperam que seja a China a alcançar esse feito. Na China, por outro lado, 80% dos cidadãos esperam que a China se torne líder mundial e as avaliações que estes fazem das outras potências, nesta área, não ultrapassam os 10%. A história é semelhante quando se pergunta se o seu país se tornará líder mundial em matéria de energias renováveis nos próximos dez anos: enquanto 62% dos inquiridos chineses pensam que o seu país alcançará este estatuto, a resposta foi muito mais hesitante entre os inquiridos da UE, com apenas 34% a pensar que será a Europa a tornar-se líder mundial neste campo.
Apesar das circunstâncias geopolíticas difíceis, a Europa tem muito a ganhar se continuar a ser um motor da transição ecológica a nível mundial. Porém, para capitalizar as oportunidades, terá de ser apresentada ao público europeu uma argumentação mais clara sobre a capacidade da UE para prosperar como concorrente ecológico na economia global. Em contrapartida, se, nesta altura, a UE recuar nos seus planos no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, tem muito a perder em termos de competitividade, especialmente quando outras partes do mundo, como os EUA e a China, estão a fazer avanços mais rapidamente.
O desafio para os líderes em 2024 é criar uma narrativa política mais sólida sobre a razão pela qual, num mundo descarbonizado, a viragem para a transição não é apenas a atitude certa a tomar, mas também a atitude economicamente mais viável a longo prazo. Se não o conseguirem fazer, após as eleições presidenciais dos EUA em 2024, as perspectivas para a COP29 correm o risco de não ser tanto sobre manter-se o Acordo de Paris vivo e de ser mais sobre o que pode ser salvo dos escombros.
Susi Dennison é directora do programa “European Power”, no European Council on Foreign Relations (ECFR)
Tradução de Nelson Filipe