Associações ambientais põem Estado em tribunal por falhar Lei de Bases do Clima

As organizações Quercus e Sciaena assinam conjuntamente esta acção civil anunciada em 2022 pela associação Último Recurso. Mariana Gomes acredita que esta será uma “acção histórica”.

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Mariana Gomes fundou a associação Último Recurso que anunciou esta acção contra do Estado português em 2022 DR

A associação ambientalista Último Recurso anunciou esta segunda-feira que vai seguir em frente o processo em tribunal contra o Estado português, por falhar na aplicação da Lei de Bases do Clima devido a uma “omissão de acção gravíssima” por parte do Governo no combate à crise climática. Em declarações à agência Lusa, a presidente da Último Recurso, Mariana Gomes, disse estar convicta de que esta será uma “acção histórica”, a primeira no país para obter a redução de emissões de gases de efeito de estufa através de decisões judiciais.

“Esta acção faz história em Portugal porque é a primeira que menciona directamente os efeitos das alterações climáticas e a sua relação com o direito, e é a primeira que, na petição inicial, relaciona a violação do direito com os efeitos das alterações climáticas. Se a lei não for cumprida, os nossos direitos serão violados, porque existem alterações climáticas que fazem com que exista a necessidade de a lei ser cumprida”, sustentou.

As organizações Quercus e Sciaena formalizaram o seu apoio ao assinarem conjuntamente esta acção civil, reafirmando o seu compromisso conjunto pela justiça climática, indicou a Último Recurso.

Mariana Gomes, líder da associação fundada em Dezembro de 2022, lembrou que Portugal já foi alvo de várias acções ambientais, mas nunca uma que relacionasse o direito directamente com as alterações climáticas, com vista a obter uma sentença que reforce o compromisso do Estado nesta matéria.

Questionada pelo facto de esta acção ter sido anunciada há um ano pela Último Recurso, e só agora concretizada, a jovem activista de 22 anos explicou que “levou algum tempo porque a acção foi totalmente construída pro bono, voluntária, sem qualquer tipo de apoio de outras entidades”.

“Tivemos também de aguardar algum tempo para que a maior parte dos prazos da lei de bases do clima entrasse em incumprimento. Tentámos ao mesmo tempo a via da negociação, através de conversas com os partidos políticos envolvidos na criação da lei, dirigimos uma carta ao Presidente da República, reuniões no Ministério do Ambiente, mas obtivemos uma fraca resposta”, mesmo com o aviso prévio de que iriam processar o Estado português, “cuja responsabilidade termina no Governo”.

Recordando o compromisso português com o Acordo de Paris, em 2015, para manter o aumento da temperatura abaixo dos dois graus Celsius, e o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que veio dizer que as metas nacionais de redução de gases de efeito de estufa (entre 45% a 55% face a 2005) “são insuficientes”, a líder da Último Recurso apontou o caso da Alemanha como referência para este processo.

“Na Alemanha, houve um processo judicial parecidíssimo com este que estamos a iniciar. Eles têm uma meta de redução por volta dos 50% e o Tribunal Constitucional alemão disse que o Estado deveria reduzir 70% até 2030. Há a questão de obter esta sentença judicial que aumente o compromisso e a ambição de Portugal e, consequentemente, as políticas públicas inerentes”, referiu.

No entender da activista, a aplicação da lei “significaria idealmente que Portugal em 2030 iria conseguir atingir as reduções de CO2 necessários para manter a Terra abaixo dos 1,5 ou 2 graus. O problema é que 99% dos prazos definidos pelo parlamento na lei aprovada não foram cumpridos e quase nada foi feito”.

“Isto significa uma violação gravíssima dos nossos direitos constitucionais, nomeadamente o direito à vida, a um futuro digno e das futuras gerações, e é colocada em causa a confiança no Estado de direito, que deveria cumprir as metas europeias e o Acordo de Paris”, salientou.

Sobre os objectivos da acção interposta esta segunda-feira, enumerou quatro: “Nós queremos que seja declarado que está em falta a adopção pelo Estado português das medidas necessárias e suficientes para assegurar a redução da emissão de gases que produzem efeitos de estufa. Também deve ser assumido que está em incumprimento na adopção das medidas políticas e legislativas previstas na Lei de Bases do Clima.”

“Queremos ainda que o Estado seja condenado a adoptar essas medidas, e seja obrigado a produzir todos os actos políticos cujos prazos já estão em incumprimento, e que o juiz decida que o Estado terá três meses para cumprir toda a Lei de Bases do Clima”, acrescentou.

A representação judicial nesta acção contra o Estado está a cargo de Ricardo Sá Fernandes, segundo a associação, que divulgou um comunicado a anunciar uma conferência de imprensa para esta segunda-feira, às 9h30, no Palácio da Justiça de Lisboa.