A sul do Douro, lobos-ibéricos e cães errantes têm uma dieta parecida e isso é um problema

Análises a excrementos de lobos-ibéricos e cães errantes a sul do rio Douro mostram que o gado é a presa mais consumida por ambos, havendo assim mais competição no território.

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O aumento de cães errantes pela Europa tem vindo a ser um problema DR
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Os lobos-ibéricos alimentam-se sobretudo de cabras, javalis e aves – dependendo de onde vivem a sul do rio Douro. E os cães errantes da mesma área comem principalmente cabras. Esta coincidência nas dietas de lobos e cães pode contribuir para uma alta competição de recursos entre ambos e ser problemático. Estas são as conclusões de um estudo agora publicado por investigadores portugueses na revista científica European Journal of Wildlife Research.

O aumento de cães errantes pela Europa tem suscitado novos desafios – é desta forma que os investigadores começam por apresentar o novo estudo num comunicado de imprensa da organização Rewilding Portugal​. Algumas das adversidades criadas por estes cães estão relacionadas com a sua predação a gado doméstico ou aos lobos-ibéricos, que diminuíram a sua presença em Portugal durante o século XX. A predação de espécies silvestres em competição com o lobo ou a disseminação de doenças fazem parte dessa lista de desafios.

Os cães errantes – e não selvagens – podem ser cães de caça e de companhia abandonados ou podem ter dono, mas andar a vaguear livremente para desempenhar algum tipo de trabalho, como os cães de gado. Há ainda os que têm dono, mas que se movimentam livremente sem uma função específica.

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Os lobos-ibéricos diminuíram a sua presença em Portugal durante o século XX Daniel Allen

E de que se alimentam estes lobos e estes cães? Esta foi a questão de um grupo de cientistas coordenado por João Carvalho, da Universidade de Aveiro. Para tal, foram analisadas amostras de 107 dejectos de lobo-ibérico e 95 de cães errantes de diferentes regiões de uma área de distribuição do lobo-ibérico a sul do rio Douro, nomeadamente em duas Zonas Especiais de Conservação, as serras da Freita e Arada; e a serra de Montemuro. Todos esses excrementos foram confirmados geneticamente.

Quanto aos lobos, verificou-se que as cabras e os javalis eram as presas mais consumidas na região oeste da área estudada. Já na região central comiam sobretudo aves. Esse elevado consumo de aves deverá ser proveniente de carcaças que são descartadas na zona. Relativamente aos cães, observou-se que se alimentam principalmente de cabras. Logo depois na lista estão os coelhos, as lebres, os pequenos mamíferos e javalis.

“[Concluímos] que existe uma grande sobreposição entre a dieta do lobo-ibérico e a dos cães errantes a sul do Douro, sendo que o gado é a presa mais consumida por ambas as espécies”, resume ao PÚBLICO Sara Aliacar, responsável pela conservação da Rewilding Portugal, que também participou no estudo. Esta elevada sobreposição das dietas demonstra o alto potencial pela competição de recursos entre cães errantes e lobos-ibéricos.

Javali e corço voltam a entrar na dieta

Sara Aliacar chama ainda a atenção para a maior diversificação da dieta do lobo-ibérico. Embora o gado seja a maior fatia da dieta do lobo a sul do rio Douro, verificou-se um aumento da proporção do javali e do corço na sua alimentação. Mais: viu-se que o javali estava na dieta de todas as alcateias. “Este é um resultado muito importante porque temos de ter presente que as presas silvestres do lobo, o javali, o corço e o veado, foram extintas na maior parte de Portugal no início do século XX”, frisa. Se o javali voltou a estar na zona estudada há 30 anos, o corço começou a expandir-se nos últimos anos graças a reintroduções.

Esta investigação teve ainda em conta 40 ataques a gado através da confirmação genética das espécies que se alimentaram das carcaças dos animais predados – isto é, foram analisadas amostras retiradas de ferimentos dos animais, como de saliva lá presente. Na maioria dos ataques (mais de 60%) apenas se detectou a presença do cão, o que mostra o seu grande papel na predação do gado. Este resultado confirma o elevado número de cães errantes no território do lobo e o seu acesso ao gado, alerta Sara Aliacar.

O estudo acaba por aclarar a dimensão do problema dos cães errantes e evidenciar que existem em todo o território do lobo-ibérico, o que pode até suscitar a perseguição do lobo, pois os ataques de ambos podem ser confundidos, considera a responsável da Rewilding Portugal. “O problema dos cães errantes precisa de ser abordado urgentemente”, apela Sara Aliacar, indicando que causa impactos na fauna selvagem e perdas de criadores de gado que raramente são reembolsadas.

No comunicado, sugere-se que sejam aplicadas práticas de gestão adequadas e uma legislação rigorosa sobre a posse de cães. Além disso, propõe-se que seja feita uma gestão eficaz da população de cães errantes para que se reduzam os conflitos entre humanos e lobos.

Apoiar os criadores de gado

Sara Aliacar diz que a Rewilding Portugal tem vindo a apoiar criadores de gado, para que sejam postas em prática medidas de prevenção para que não tenham prejuízo, através do projecto Life WolFlux, a decorrer desde 2019 e coordenado pela Rewilding Portugal. Até à data, a organização também já entregou 96 cães de protecção de gado e 34 vedações.

“Estas medidas são fundamentais para prevenir e reduzir os ataques de lobos e cães errantes”, nota. Um outro importante contributo tem sido a expansão das presas silvestres do lobo – como o corço, o javali e o veado e o restauro do habitat destas espécies.

Duarte Cadete faz questão de alertar para a importância da ajuda do cão na conservação do lobo. “Os cães de gado são um método fundamental para a protecção dos rebanhos e melhoria da percepção do lobo em Portugal”, assinala o co-fundador da organização Zoo Logical – Inovação para o Conhecimento, Divulgação e Conservação da Fauna, que também participou no estudo.

Duarte Cadete diz que a questão dos cães errantes deve ser abordada “de forma assertiva, mas sempre guiada pelos valores de bem-estar animal”: “Deve ser urgentemente melhorada a detenção dos animais, a sua vigilância, a identificação, esterilização e a fiscalização de tudo isto – não só animais de companhia e de gado, mas também animais para fins cinegéticos.”