Novo plano contra tráfico de pessoas prevê mais atenção às novas tecnologias
Documento de “continuidade” fica nove dias em consulta pública para recolha de contributos.
Está em consulta pública alargada até ao dia 5 de Dezembro o V Plano de Acção para a Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos 2024-2027. É um ponto de partida, com medidas, ainda sem metas nem calendários, mas a apontar para um maior esforço de monitorização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
O documento, publicado na sexta-feira à noite pelo gabinete da secretária de Estado da Igualdade e das Migrações, esboça um contexto preocupante. A pandemia de covid-19 “exponenciou o tráfico de pessoas e remeteu-o ainda mais para a clandestinidade”. “As mudanças climáticas, assim como as guerras e os conflitos armados, aumentam os factores de risco.” E o actual fluxo migratório também.
Manuel Albano – vice-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e Relator Nacional para o Tráfico de Seres Humanos – considera prematuro tecer qualquer comentário sobre a proposta. Afinal, “o intuito da consulta pública é perceber o feedback das instituições – governamentais e não governamentais – que trabalham na área”.
Aquele responsável admite, todavia, que este é um plano “de continuidade”. As novidades, no fenómeno, estão relacionadas com o recurso ao digital. E o novo plano, sublinha, terá de responder a esse grande desafio.
Uma das prioridades da nova estratégia da União Europeia para o Combate ao Tráfico de Seres Humanos – 2021-2025 é o “desmantelamento do modelo de actuação dos traficantes, digital ou não digital”. Há um apelo a “um diálogo constante com as empresas no domínio das TIC, no sentido de reduzir a utilização das plataformas para o recrutamento e a exploração das vítimas”.
No plano agora em cima da mesa está a “elaboração de estudos, nomeadamente em áreas relacionadas com tecnologias associadas ao tráfico de seres humanos e às redes”. E um “reforço ao nível da monitorização das TIC que têm surgido como meios de facilitação no recrutamento e na exploração associadas ao tráfico de seres humanos”.
Os objectivos estratégicos estão delineados no texto acessível no portal ConsultaLEX: consolidar e robustecer “o conhecimento e informar e sensibilizar sobre a temática”; “assegurar às vítimas um melhor acesso aos seus direitos, consolidar, reforçar e qualificar a intervenção”; fortalecer a luta contra as redes de crime organizado.
O documento prevê um aumento do financiamento para aumentar vagas nos Centros de Acolhimentos e Protecção a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos e as respostas dadas pelas equipas multidisciplinares especializadas, cujo objectivo é assegurar a qualidade de vida e a segurança e aumentar a autonomia das vítimas. Não refere quantos novos acordos de cooperação nem quantas novas vagas.
Também refere uma “alteração legislativa no sentido de tornar obrigatória a comunicação ao Observatório do Tráfico de Seres Humanos das decisões judiciais relativas a processos” desta natureza. E a “actualização do manual Tráfico de Seres Humanos: colectânea seleccionada de instrumentos jurídicos, políticos e jurisprudência em Portugal”, além da “criação de programas de saída para vítimas de tráfico para exploração sexual”.
No contexto comunitário, a exploração sexual tem sido a motivação mais frequente de tráfico de seres humanos. Em Portugal, a tendência é oposta. Citando o último Relatório Anual de Segurança Interna, salienta-se no plano de acção que “o tráfico de seres humanos continua a estar muito ligado ao recrutamento para trabalho em campanhas sazonais, principalmente no sector da agricultura”.
Na semana que agora terminou, a Polícia Judiciária deteve 28 suspeitos por tráfico de seres humanos na região do Alentejo. Soube-se também que o Ministério Público deduziu acusação contra 41 pessoas por explorarem outras 55 num caso idêntico ocorrido em 2022 na mesma região do país.
No ano passado, o Observatório do Tráfico de Seres Humanos identificou oito vítimas adultas confirmadas deste tipo de crime, cinco em Portugal (para exploração laboral) e três no estrangeiro (para exploração sexual). Nessa altura, os órgãos de polícia criminal sinalizaram 145 vítimas, 109 das quais para exploração laboral.