António Costa e as florestas

Já assumido o cargo de primeiro-ministro, desde finais de 2015, os factos até agora registados evidenciam os efeitos devastadores da governação de António Costa em matéria de política florestal.

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Numa sucinta retrospectiva sobre o papel do governante António Costa em matéria de política florestal, iniciemos pelo período em que assumiu o cargo de ministro da Administração Interna, de 2005 e 2007. Nesse período teve responsabilidade no desmantelamento do corpo de guardas e mestres florestais. As ações de fiscalização, embora não constituíssem a atribuição única desta força, incomodam alguns negócios. Esse desmantelamento ocorreu em clara violação do disposto a propósito na Lei de Bases da Política Florestal. Mas o que é que isso interessa?

Essa lei está claramente caduca, atentos aos inúmeros atropelos de que tem sido vítima. Aliás, na altura da sua aprovação, em 1996, argumentava-se que o facto de ter sido por unanimidade resultaria de uma de duas circunstâncias: dos partidos políticos com assento parlamentar à época terem considerado as florestas como um desígnio nacional; ou, pelo contrário, de o objeto da lei não merecer por parte da maioria destes a importância para criar quezílias político-partidárias. Passado mais de um quarto de século, constata-se globalmente ter vingado a segunda.

Já assumido o cargo de primeiro ministro, desde finais de 2015, os factos até agora registados evidenciam os efeitos devastadores da sua governação:

1. Persistiu a tendência crescente da área ardida em Portugal. Todavia, ao contrário do que até então se registava, as áreas ardidas em designados povoamentos florestais superaram consecutivamente as áreas ardidas com outras ocupações, nomeadamente matos e pastagens. Curiosamente, foi alterada a designação de incêndios florestais por “incêndios rurais”. Mero engodo! É hoje claramente majoritária a incidência em espaços tidos como florestais (plantações incluídas).

2. Pela primeira vez, em três anos consecutivos, Portugal registou a maior área ardida absoluta na União Europeia. Este nefasto primeiro lugar no pódio já tinha sido registado antes, nunca em dois anos consecutivos, muito menos em três (2016, 2017, 2018). Igualmente, nunca havia sido registado, num só ano, um tão horrível número de vítimas mortais. Mais de uma centena, em 2017.

3. As “medidas” posteriores, assumidas a pretexto da prevenção de incêndios florestais, constituíram tão-só um ato de desresponsabilização política e de dissipação de responsabilidades por centenas de milhares de famílias enquanto proprietárias em espaço rural. Facto é que tais “medidas”, no que respeita a faixas de gestão de combustíveis, tiveram um contributo determinante para a expansão pelo território de espécies lenhosas invasoras, com acrescido perigo em futuros incêndios florestais.

4. No plano económico, de acordo com os dados até agora disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, a partir de 2016 voltou a registar-se uma queda no valor acrescentado bruto (VAB) da silvicultura face ao valor acrescentado bruto nacional. Se entre 2009 e 2015 se evidenciou uma muito ligeira subida, após o descalabro ocorrido desde o ano 2000, atualmente o rácio retrocedeu ao valor de 2008.

5. Ainda no plano económico, constata-se um acréscimo percentual na produção de madeira para triturar, associada a produtos de menor valor acrescentado, bem como de menor ciclo de vida, ou seja, de mais curto período de sequestro do carbono antes armazenado pelas árvores. Assim é com o papel e com as pellets de madeira, por exemplo. Se no período 2000-2004 a produção de madeira para triturar representava 27% da produção florestal mensurada, em 2021 os dados provisórios do INE apontam para 41%. Ou seja, a silvicultura gera hoje menos valor e os bens que são produzidos devolvem mais rapidamente à atmosfera o carbono antes sequestrado no crescimento do arvoredo. Pelo contrário, tem-se assistido a um preocupante decréscimo na produção de cortiça e a um sector de produção de madeira para serração muito dependente de importações. Estes últimos, para além de gerarem bens de maior valor acrescentado, estão ainda associados a bens de ciclo longo de sequestro de carbono.

6. Nos últimos oito anos, a pressão sobre o arvoredo aumentou significativamente, associado a negócios rotulados como “verdes”. Desde 2016 foi registado um nível de licenciamentos industriais, sobretudo no sector energético, que, irresponsavelmente, tem vindo a criar um forte impacto sobre o coberto arbóreo. A pressão do sector energético, para queima directa, produção de pellets de madeira e de lenhas, tem dizimado sobretudo arvoredo de espécies autóctones, já de si vítimas, com raras exceções, de significativa contração de área no nosso país. Nem as Matas Nacionais, nem as árvores urbanas estiveram a salvo desta pressão. Apesar da tendência crescente da área ardida em povoamentos florestais e do aumento desta pressão para a produção de energia, que crescem em simultâneo, foi assumida a decisão de apenas realizar o próximo Inventário Florestal Nacional em 2025. Ou seja, só deste conheceremos os danos. Que conveniente!

7. Associado aos espaços florestais, ao nível da política de conservação da natureza, a governação tem apostado em baloiços, passadiços e num modelo de co-gestão de áreas protegidas. Infelizmente, a conservação da natureza não é compatível com o aumento da pressão humana nestas áreas. Se desde 1992, segundo a OCDE, Portugal é o segundo país da União Europeia em termos de perda relativa de áreas naturais, dificilmente será de esperar que os governos liderados por António Costa tenham contribuído para inverter essa perda. Muito pelo contrário!

8. Em matéria de ocupação do território por plantações de eucalipto, as medidas de política ou a sua ausência falam por si. Depois de um propagandeado ataque à “lei da liberalização dos eucaliptos”, do tempo de Assunção Cristas, o facto é que no consulado de Capoulas Santos foi “licenciada” maior expansão de área destas plantações do que no tempo da sua antecessora. Isto no que respeita a novas plantações autorizadas no âmbito dessa “lei da liberalização dos eucaliptos”. A paragem nessa expansão legal só foi interrompida após os incêndios de 2017. Certo é que, perante o elevado défice de fiscalização, voltamos ao desmantelamento do corpo de guardas e mestres florestais, a expansão ilegal com esta espécie exótica e invasora pós-incêndio pulula por este país. Já no consulado de Matos Fernandes foram alterados os limites máximos das áreas de plantações de eucalipto por concelho. Ou seja, a indústria papeleira, hoje com forte presença no sector energético, tem vivido dias felizes sob a governação de António Costa.

É difícil, se não impossível, apontar algo de positivo em matéria de política florestal na presença ou chefia de governos por António Costa. Bom, foram produzidos muitos planos, uns sobre os outros, ao sabor da mudança de secretários de Estado e de ministros.