Novo Nordisk vai racionar doses iniciais de Ozempic face a aumento do seu uso para perder peso

O fármaco à base de semaglutido não está oficialmente aprovado para o tratamento da obesidade, mas isso não tem impedido a sua procura para esse fim. A escassez deverá continuar até ao próximo ano.

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O Ozempic é um medicamento que pertence à classe dos agonistas dos receptores GLP-1 LEE SMITH/Reuters
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A Novo Nordisk vai racionar na Europa as doses mais baixas de Ozempic, com as quais se inicia geralmente o tratamento da diabetes, e reduzir os fornecimentos de outro medicamento também para a diabetes, chamado Victoza, para dar prioridade à produção de Ozempic, que registou um aumento da procura por parte das pessoas que o utilizam para perder peso.

O Ozempic contém semaglutido, a mesma substância activa do Wegovy, o medicamento popular da Novo Nordisk para o tratamento da obesidade. O Ozempic não está oficialmente aprovado para o tratamento da obesidade, mas isso não tem impedido a sua procura para esse fim.

De acordo com uma nota enviada aos profissionais de saúde pela Novo Nordisk e pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês), a empresa farmacêutica dinamarquesa vai “reduzir temporariamente o fornecimento de Victoza” para aumentar o fornecimento de Ozempic.

Prevê-se uma escassez intermitente de Ozempic ao longo de 2024, enquanto a escassez de Victoza é esperada pelo menos até ao segundo trimestre de 2024, de acordo com a declaração divulgada no site da EMA.

Tanto o Victoza como o Ozempic são injecções que pertencem à classe dos agonistas dos receptores GLP-1, mas apenas o último tem sido associado a uma perda de peso considerável e à supressão do apetite, para além de regular a produção de insulina. A substância activa do Victoza é conhecida como liraglutido.

“Novos doentes não devem iniciar o tratamento com Victoza até, pelo menos, ao segundo trimestre de 2024, altura em que se espera que o fornecimento normalize”, insiste a Novo Nordisk no documento.

Escassez de Ozempic até ao início de 2024

A empresa farmacêutica também vai limitar o fornecimento da dose inicial de 0,25 miligramas de Ozempic para dar prioridade aos doentes que já estão a receber a terapêutica semanal em detrimento de potenciais novos doentes, uma estratégia que a Novo Nordisk já utilizou nos Estados Unidos para gerir a procura de Wegovy, que excedeu largamente o fornecimento.

Numa tentativa de gerir os efeitos secundários e habituar o organismo aos medicamentos, tanto o Ozempic como o Wegovy são inicialmente administrados em doses mais baixas e a concentração da substância activa administrada através de uma injecção é aumentada ao longo dos meses, de forma gradual.

“Recomenda-se limitar o início [do tratamento] de novos pacientes [com Ozempic] durante a escassez e até que a situação de fornecimento melhore, o que é esperado no primeiro trimestre de 2024”, sublinhou a Novo Nordisk.

A empresa aconselhou ainda os médicos a considerarem outros medicamentos da classe dos agonistas dos receptores GLP-1 injectáveis ou “outras alternativas adequadas” quando o Ozempic ou o Victoza não estiverem disponíveis para os doentes.

Num sinal claro da corrida ao Ozempic que se verifica na Europa, a entidade reguladora dos medicamentos alemã está a considerar a possibilidade de proibir a sua exportação, uma medida que já foi imposta por vários países da União Europeia, como a França e a Áustria.

Vários países, incluindo o Reino Unido, a Bélgica e a Alemanha, proibiram temporariamente ou desaconselharam fortemente a utilização do Ozempic para perda de peso, a fim de garantir a disponibilidade do fármaco para os diabéticos, mas a aplicação destas restrições tem-se revelado difícil.

O lançamento do Wegovy pela Novo Nordisk no Reino Unido, Alemanha, Noruega e Dinamarca pouco contribuiu, até à data, para atenuar o clamor na Europa pelo Ozempic, uma vez que os volumes de Wegovy têm sido limitados devido a constrangimentos na produção.

Procura excede a produção

A Novo Nordisk, que reservou seis mil milhões de dólares (cerca de 5500 milhões de euros) para aumentar a produção na Dinamarca, afirmou no início deste mês que a indústria está longe de conseguir produzir medicamentos para perda de peso em quantidade suficiente para satisfazer a procura global.

O medicamento da Eli Lilly conhecido por Mounjaro (cuja substância activa é a tirzepatida) também demonstrou, em ensaios clínicos, um potencial de perda de peso ainda maior do que o Wegovy, mas as perspectivas de fornecimento a médio prazo deste medicamento na Europa são ainda incertas. A autoridade reguladora dos medicamentos da União Europeia recomendou a aprovação do fármaco, mas a palavra final da Comissão Europeia ainda está pendente.

Em Portugal, a Associação Nacional das Farmácias (ANF) confirmou ao PÚBLICO, no final de Outubro, que as farmácias “estão há vários meses a reportar diariamente uma incapacidade de aceder a estes medicamentos para fazer face às necessidades das pessoas, gerindo da melhor forma a disponibilização destes medicamentos”.

A ANF destacou que o abastecimento do mercado dos medicamentos para a diabetes e perda de peso em Portugal (Ozempic, Trulicity, Victoza e Bydureon) “não tem sido suficiente para colmatar as necessidades da população”, uma situação que “ocorre quer a nível nacional quer a nível internacional, devido ao aumento mundial do seu consumo e à capacidade limitada dos fabricantes de procederem ao aumento dos volumes de produção”.

Por esta razão, a utilização dos medicamentos para a diabetes e obesidade que pertencem à classe dos agonistas dos receptores GLP-1 passou a estar sujeita a um maior controlo no país, depois de ter sido aprovada uma deliberação para que as vendas destes fármacos em Portugal sejam reportadas diariamente à Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed).

O cenário levou mesmo o Infarmed a pedir aos médicos, em Outubro do ano passado, que prescrevam “em consciência” o semaglutido. “Foi incluído um alerta na plataforma PEM [Prescrição Electrónica de Medicamentos] de modo a que o médico prescritor confirme se o doente cumpre ou não os critérios de comparticipação. Se não cumprir, a prescrição é emitida sem comparticipação”, explicou a autoridade ao PÚBLICO, questionada sobre eventuais prescrições off-label, ou seja, para fins diferentes dos aprovados pelas entidades reguladoras.

Existem vários medicamentos em Portugal com indicação para o tratamento da diabetes que são comparticipados – tal como o Victoza e o Ozempic –, enquanto para o tratamento da obesidade não existem fármacos actualmente comparticipados.