O ICNF anda aos gambozinos

Gambozinos é uma palavra que resume como nenhuma o estado do Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que procura uma visão para a natureza em Portugal sem a encontrar.

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O ICNF, Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas. É o instituto do estado responsável pela gestão e recuperação das áreas naturais do país. Desconhecido do público em geral, mas desempenha um papel bastante importante. Numa altura em que foram conhecidas as pressões exercidas ao ICNF para a construção de um centro de dados em Sines e, das suspeitas de corrupção em torno do caso, é uma boa altura para analisar a estrutura do ICNF.

Gambozinos, nenhuma palavra resume melhor o estado do ICNF. Gambozino é um animal imaginário, inexistente, que alguém procura sem rumo. O ICNF procura uma visão para a natureza em Portugal sem a encontrar e, no entretanto entre reformas estruturais, ciclos políticos e condenações da União Europeia caminha, sem bússola, rumo à irrelevância.

Década da ONU para o restauro de ecossistemas, objetivos ambiciosos de restauro ambiental a nível europeu, compromissos internacionais assumidos por Portugal e, uma entidade fraca e disfuncional para os implementar, Portugal não tem um instituto à altura do desafio.

Há toda uma série de acontecimentos, relatórios e mudanças que explicam o estado decadente e disfuncional do ICNF: Condenações do Tribunal Europeu, a fusão com as florestas, a tutela dos animais de companhia, a inexistência de diretores para as áreas protegidas, a sede no Saldanha (coração urbano de Lisboa), a cogestão das áreas protegidas, perder funções para as CCDR e até um relatório do tribunal de contas. Algumas destas decisões entretanto foram revertidas, como a tutela dos animais de companhia, mas um instituto em constante mudança, com alterações a cada poucos meses ou anos não consegue ser funcional e desenvolver um trabalho coerente no terreno.

O ICNF pode ser diferente, mas para isso são precisas mudanças, primeiro, é um passo chave o ICNF passar a ser uma entidade dedicada só à conservação e restauro da natureza, centralizar funções e garantir uma boa presença local, com diretores e equipas multidisciplinares dedicadas a cada área protegida (o último decreto acerca das áreas protegidas parece um passo nessa direção).

Segundo, um orçamento forte e flexível, não dependente de ciclos políticos, por exemplo através de uma percentagem do fundo ambiental ou de outras fontes de financiamento como subsídios para a natureza e receitas turísticas das áreas protegidas.

Terceiro, encontrar espaço em Portugal para a vida selvagem, aproveitar o abandono da atividade agrícola em terras marginais, uma oportunidade única em centenas de anos para devolver zonas à natureza e, converter zonas degradadas em zonas restauradas. O que pode ser complementado com aquisição de terrenos e aluguer de baldios.

Quarto, uma visão ambiciosa de restauro ambiental ligada ao desenvolvimento de zonas rurais e que prepara a paisagem para as alterações climáticas. Por exemplo, reintroduzir animais tanto para limpar a paisagem e reduzir o risco de incêndios, como para criar novas oportunidades económicas através do turismo de natureza ou, desenhar corredores ecológicos para ligar zonas naturais, restaurar zonas húmidas para reduzir o risco de cheias e mitigar o efeito das secas e, proteger infraestruturas e campos agrícolas de fenómenos naturais extremos como tempestades.

Só com estas características será possível o ICNF resistir às inúmeras pressões sobre as áreas naturais e desenvolver um trabalho ambicioso, duradouro e eficaz no terreno. O ICNF precisa de passar de uma postura reativa para proativa, de prevenir danos ambientais antes que aconteçam ao invés de fiscalizar depois de ocorrerem, de um estado de apatia e conformismo para um de ambição e possibilidade.

O bloqueio de novos parques eólicos em zonas sensíveis para o lobo é uma boa medida, controlar a aquacultura em zonas sensíveis como estuários também, mas para ganhar a opinião pública e o respeito dos políticos é preciso mais do que bloquear e dizer que não. É preciso mostrar trabalho, resultados e, benefícios claros para as comunidades que vivem perto de zonas naturais, o aumento das populações de lince ibérico é um bom resultado, mas um caso raro de sucesso no meio de um mar imenso de oportunidades perdidas ou por aproveitar.

A preservação e restauro da natureza não é algo desnecessário, supérfluo ou um entrave ao desenvolvimento económico, é pedra basilar de um desenvolvimento sustentável.

Esta é uma crítica de alguém que acredita na missão original do ICNF de restaurar e preservar a natureza em Portugal, admira o trabalho dos vigilantes da natureza no terreno e, que sonha com um Portugal mais selvagem para benefício de pessoas e natureza.

O ICNF precisa de um caminho e de um destino, não pode andar aos gambozinos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.