PJ detém 20 pessoas suspeitas de falsificarem análises de água para consumo humano

A investigação Operação Gota d’Água concentra-se na “actividade fraudulenta” de um laboratório responsável pela colheita e análise de águas, incluindo as destinadas ao consumo humano.

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A operação da Polícia Judiciária concentra-se na falsificação de análises de águas, incluindo aquelas que são destinadas ao consumo humano Lisa Fotios/PIxabay
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Uma investigação sobre a falsificação de análises de água destinada ao consumo humano resultou na detenção de 20 pessoas e em 60 buscas em espaços onde vivem ou trabalham responsáveis de entidades públicas e privadas, anunciou esta quarta-feira a Polícia Judiciária (PJ).

A investigação chama-se Operação Gota d’Água e concentra-se na “actividade fraudulenta de um laboratório responsável pela colheita e análise de águas destinadas a consumo humano, águas residuais, águas balneares, piscinas, captações, ribeiras, furos e poços”, lê-se na nota de imprensa divulgada pela PJ.

O documento refere que foram detidas 20 pessoas, com idades entre os 25 e os 61 anos, e que foram constituídos “vários arguidos. Em causa estão possíveis crimes de abuso de poder, falsidade informática, falsificação de documento agravado, associação criminosa, prevaricação, propagação de doença e falsificação de receituário, segundo o mesmo documento.

O objectivo da falsificação era reduzir os custos das análises laboratoriais. Esta poupança punha “em causa a confiança e fiabilidade dos resultados das análises e, consequentemente, a qualidade da água ingerida diariamente pelas comunidades”, esclarece o comunicado.

Laboratório no distrito de Bragança

O coordenador do departamento de investigação criminal da PJ de Vila Real, António Trogano, explicou que o laboratório localizado no distrito de Bragança, na região de Trás-os-Montes, tinha vantagens económicas não só ao receber por um serviço que não prestava, mas também ao corresponder aos desejos dos clientes em entidades públicas ou privadas.

António Trogano deu como exemplo o funcionamento de piscinas municipais, que estão obrigadas a analisar a água regularmente e a encerrar caso os resultados indiquem uma contaminação relevante. Se a entidade que gere o espaço não tivesse interesse no encerramento, bastava solicitar que a amostra fosse falsificada, passando a indicar valores recomendados. A água não tinha “a cabal monitorização e o acompanhamento da qualidade que devia ter, acrescentou o responsável, citado pela Lusa.

A investigação permitiu perceber que uma prática deste género impunha uma divisão de tarefas, um acordo prévio e um objectivo inicialmente decidido, nomeadamente que o laboratório beneficiava no sentido em que não fazia [a análise das águas] e recebia por fazer, ou adulterava em benefício de um cliente, que também beneficiava, dado que não tinha de tomar medidas de fechar ou interromper o fornecimento de água, afirmou António Trogano, numa conferência de imprensa em Vila Real realizada esta quarta-feira.

O director da PJ de Vila Real admite que a falsificação de amostras pode ter colocado em risco a saúde da população, mas afirmou que, até ao momento, não há qualquer relato que o comprove. A PJ iniciou a investigação com base em denúncias de má qualidade da água fornecida por algumas autarquias, adiantou António Trogano.

Nove concelhos envolvidos

A PJ, através do Departamento de Investigação Criminal de Vila Real, afirma ter procedido à “realização de 60 buscas domiciliárias e não domiciliárias, que visaram diversos particulares, empresas e entidades públicas sitas em diferentes concelhos do território nacional, designadamente em Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Guarda, Lisboa, Porto, Vila Real e Viseu”.

O laboratório em causa, que estava devidamente acreditado, falsificava “todos os procedimentos de amostragem e análises relativas ao controlo de águas de consumo humano contratadas” por autarquias, entidades intermunicipais ou outras instituições responsáveis pela gestão desse serviço público. Esta fraude era levada a cabo “em conluio com alguns dos funcionários, dirigentes e eleitos locais”, refere a mesma fonte.

A actividade fraudulenta também se verificava nas análises às águas residuais, realizadas para avaliação do cumprimento das licenças de descarga das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de diferentes municípios.

“O laboratório, cuja actividade fraudulenta foi visada na presente investigação, está constituído no regime de sociedade por quotas, com capitais distribuídos em 50% por uma empresa multinacional (com actividade similar à entidade visada) e os restantes 50% com capital público, no caso pela participação equitativa de seis municípios e uma associação de municípios”, acrescenta a nota.

As câmaras de Alfândega da Fé, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro e Vila Flor​, todas no distrito de Bragança, estão a ser alvo de buscas esta quarta-feira no contexto da Operação Gota d’Água, confirmou a agência Lusa.

O primeiro interrogatório judicial aos suspeitos está previsto para esta quinta-feira no Tribunal de Instrução Criminal do Porto.

A Operação Gota dÁgua contou com a colaboração da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), da Autoridade de Saúde e da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.

Notícia actualizada às 15h30: foram adicionadas declarações de António Trogano.