Enormes, mais poluentes e perigosos: os SUV estão na mira de Bruxelas

Parlamento Europeu debate alterações a cartas de condução para carros mais pesados e que ocupam mais espaço. Paris quer limitar o papel destes veículos na cidade, mas conversa não chegou a Portugal.

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Veículos de maiores dimensões e mais poluentes representam mais riscos para os peões Nelson Garrido
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Ocupam mais espaço e levantam mais problemas para o ambiente, mas também colocam questões de segurança para utilizadores da rua que não sejam condutores. É nesta base que o Parlamento Europeu está a debater como lidar com os riscos para peões, velocípedes e carros mais pequenos que representam os veículos utilitários desportivos (SUV, na sigla em inglês), que por norma têm maiores dimensões e são mais altos. São também cada vez mais populares.

“Para mim é bastante claro: neste momento, na Europa, precisamos de zero vítimas mortais na estrada. É por isso que, neste momento, temos um debate sobre as cartas de condução”, começa por dizer a eurodeputada e presidente da Comissão de Transportes e Turismo do Parlamento Europeu, Karima Delli. E uma das principais propostas é a limitação do acesso a SUV para novos condutores.

“Precisamos de segurança na estrada e estes carros não são seguros” para os outros utilizadores da rua, disse a eurodeputada, ao PÚBLICO, à margem do congresso Tomorrow Mobility, organizado pela EIT Urban Mobility (uma iniciativa do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia), que decorreu em Barcelona, no início destes mês.

Há dois factores que, combinados, servem de sustentação ao texto cuja relatora é a eurodeputada francesa: os SUV são mais propensos a colisões que os veículos ligeiros, lê-se no relatório, assim como os condutores mais jovens têm tendência a ter embates na estrada.

Actualmente, quem tenha a carta de condução da categoria B pode conduzir automóveis ligeiros que pesem até 3,5 toneladas. A proposta limitaria o peso até 1,8 toneladas, o que implicaria a criação de uma categoria B+, que só poderia ser atribuída a condutores com mais de 21 anos e após dois anos de experiência com a carta da categoria B. A proposta salvaguarda excepções para profissionais ou no caso de veículos de emergência. Mesmo assim, a fixação do limite em 1,8 toneladas permitiria a condução de muitos dos SUV mais vendidos em Portugal a recém-encartados.

Vendas a subir

O argumento prende-se essencialmente com a segurança rodoviária, mas o relatório menciona que há também a questão ambiental - são menos eficientes, consumindo mais combustível e tendo um maior nível de emissões - e da mancha que ocupam nas cidades, onde o espaço escasseia.

A popularidade deste tipo de carros cujas dimensões e peso ultrapassam os dos veículos citadinos tem aumentado. Mesmo que as vendas de carros ainda não tenham recuperado da queda que se verificou com a pandemia, os SUV têm aumentado a sua margem, de acordo com números da Associação Europeia de Construtores de Automóveis (ACEA, na sigla em inglês): estes carros representaram 45% dos veículos novos vendidos em 2021 e 49% em 2022.

Para Karima Delli, os dados são preocupantes. “Não podemos diminuir as nossas emissões de gases de efeito de estufa e, ao mesmo tempo, produzir carros grandes. Não é possível”. Vários dados oficiais confirmam os motivos de preocupação.

O caminho para aprovar a medida no Parlamento Europeu é estreito. A proposta foi noticiada um pouco por toda a Europa, com várias vozes a manifestarem-se contra, incluindo do partido Verde alemão (da mesma família política europeia que Karima Delli). ”Estamos a ter uma discussão grande e difícil”, disse a relatora, confiante de que conseguirá obter um compromisso. “O meu trabalho, neste momento, é encontrar uma maioria” que permita fazer passar a proposta, primeiro na Comissão de Transportes e Turismo, em Dezembro, depois no hemiciclo, em Estrasburgo.

Mais espaço, mais emissões

Em 2018, um comité de peritos que analisa as políticas ambientais do Reino Unido olhava para a estratégia desenhada pelo governo para atingir zero emissões de gases de efeito de estufa e criticava a ausência de medidas para lidar com o crescimento rápido de vendas de SUV. “A popularidade dos SUV está a anular a poupança de emissões que resulta das melhorias tecnológicas”, tendo “implicações potenciais sérias” para as metas carbónicas do Reino Unido, lia-se.

Já no início deste ano, a Agência Internacional de Energia publicou um comentário em que analisava o mercado global de venda de automóveis e dava conta dos impactos da preferência pelos SUV: “Veículos mais pesados e menos eficientes em termos de combustível” fizeram “aumentar o crescimento da procura por petróleo e das emissões de dióxido de carbono”. E acrescentava que, entre 2021 e 2022, o consumo de combustível em carros convencionais manteve-se praticamente no mesmo nível, mas o consumo global alimentado por SUV cresceu 500 mil barris por dia, o que significou um terço da subida total da procura de petróleo.

Independentemente dos problemas, há um interesse crescente por este tipo de carros. Mas a procura é induzida, argumenta a eurodeputada. “Há publicidade incrível, vemos estas imagens de pessoas [a conduzir] sozinhas na estrada, ao sol, junto à praia”, comenta. “Mas onde estão as pessoas? Onde está o congestionamento? Onde está a realidade? Esta não é altura de mentir aos consumidores”, sustenta, sublinhando que os SUV podem ser mais confortáveis e espaçosos para quem conduz, mas comportam mais risco para os outros utilizadores da rua. Considera também que os fabricantes estão a gerar o mercado – e não a responder-lhe – uma vez que as margens de lucro com vendas de SUV são superiores a outros tipos de carros.

A conversa ainda não chegou a Portugal, embora tenha havido episódios de activismo (o esvaziamento de pneus de SUV pelo grupo The Tyre Extinguishers) que introduziram uma questão na ordem do dia. Mesmo que estes veículos passem a ser eléctricos, continua a haver um problema com o espaço ocupado e com a segurança rodoviária mas, mesmo assim, por cá, o debate ainda não chegou ao nível das políticas públicas, como aconteceu em Paris.

A capital francesa, pela mão da presidente de câmara Anne Hidalgo, vai referendar o aumento de preços de estacionamento para os SUV, com o argumento de melhorar o espaço público a favor de mobilidade mais limpa, ruas com escolas e peões. Em Fevereiro, os parisienses escolhem.