Calor pode ter causado 70 mil mortes em excesso na Europa em 2022

Cientistas reavaliam estimativas de mortalidade atribuíveis ao Verão escaldante de 2022. Novo estudo sugere que, afinal, altas temperaturas podem ter causado 70 mil mortes em excesso (e não 63 mil).

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Vagas de calor afectaram diversos países europeus no Verão de 2022 EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON
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As altas temperaturas do Verão de 2022 podem ter sido responsáveis ​​por 70.000 mortes em excesso na Europa, sugere um estudo publicado na terça-feira na revista científica The Lancet Regional Health – Europe.

Cientistas do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, reexaminaram as estimativas iniciais de mortalidade relacionada com o calor para o Verão de 2022. Inicialmente, tinham projectado mais de 61.000 mortes no Verão (e quase 63.000 em 2022). Agora, nesta reanálise com mais dados, obtiveram um valor ainda mais alto.

Num estudo anterior, publicado na revista Nature Medicine, os mesmos cientistas do instituto espanhol recorreram a modelos epidemiológicos para estimar a mortalidade em 823 regiões de 35 países europeus (incluindo Portugal).

Nesse artigo, que se baseava em dados semanais de temperatura na Europa, os investigadores estimavam em 61.672 o número de mortes prematuras relacionadas com o calor no Verão de 2022. Desse total, segundo os mesmos cálculos, mais de duas mil teriam ocorrido em Portugal.

“Estimámos 2212 mortes relacionadas com o calor no Verão de 2022 em Portugal. Em termos de mortes por milhão de habitantes, Portugal teve uma das taxas mais elevadas, ficando atrás apenas de Itália, Grécia e Espanha”, afirmou ao PÚBLICO o co-autor Xavier Basagaña, investigador do instituto em Barcelona, em Julho, por ocasião na publicação do estudo da Nature Medicine.

Valores subestimados

Os cientistas já acreditavam na altura que os valores estariam subestimados, uma vez que foram utilizados dados semanais – e não séries cronológicas diárias que, segundo a equipa, permitiriam calcular com maior rigor o impacto das vagas de calor na mortalidade.

Já no trabalho de reanálise publicado nesta terça-feira, a equipa liderada pelo cientista Joan Ballester tentou identificar as falhas relacionadas a utilização de dados agregados (ou seja, séries temporais semanais e mensais de temperatura e mortalidade). Confirma-se que os dados divulgados em Julho eram subestimados.

O objectivo do novo estudo foi precisamente a elaboração de uma moldura teórica que permitisse quantificar os erros decorrentes dessa “agregação temporal de dados”. Para o efeito, a equipa reuniu registos diários de temperaturas e mortalidade de 147 regiões em 16 países europeus, incluindo Portugal. Os cientistas examinaram e confrontaram as estimativas de mortalidade relacionada com o calor e o frio por diferentes níveis de agregação: diário, semanal, quinzenal e mensal.

Para estimar efeitos de curto prazo, contudo, “a utilização de dados semanais e mensais representa uma possível solução inexplorada até o momento”. “Não costumamos considerar os modelos baseados em dados agregados mensais úteis para estimar os efeitos de curto prazo das temperaturas ambientes. No entanto, os modelos baseados em dados semanais oferecem precisão suficiente para as estimativas de mortalidade, sendo úteis na prática em tempo real da vigilância epidemiológica e na definição de políticas públicas como, por exemplo, a activação de planos de emergência para reduzir o impacto das ondas de calor ou de frio”, refere Joan Ballester, citado numa nota de imprensa do Instituto de Saúde Global de Barcelona.

As estimativas epidemiológicas podem variar de acordo com a escala temporal de agregação. Se, por um lado, as séries diárias ofereceriam maior precisão, por outro, a burocracia na obtenção desse tipo de dados acaba por ser um entrave ao trabalho de investigação.

“Os requisitos de confidencialidade, as restrições legais, o tempo necessário para obter os dados e os obstáculos burocráticos dos acordos de transferência de dados continuam a ser factores limitantes importantes para a investigação. Estas limitações são particularmente importantes quando as contagens de resultados de saúde precisam de ser desagregadas temporalmente na resolução diária, por exemplo na estimativa dos efeitos desfasados ​do frio e do calor”, lê-se no estudo da revista científica The Lancet Regional Health – Europe.

O ano passado foi o segundo mais quente alguma vez registado na Europa, com temperaturas 0,9 graus Celsius acima da média, segundo dados do Copérnico, o programa europeu de observação da Terra. Vários recordes meteorológicos foram batidos em Portugal e na Europa em 2022, que ficou marcado por episódios de seca hidrológica, ondas de calor e incêndios em boa parte do continente.

O Verão de 2022 no continente também acumulou recordes pelas piores razões, com temperaturas 1,4 graus acima da média. Foi, na verdade, o mais quente desde que há registo, ultrapassando mesmo o Verão de 2021, que detinha o anterior recorde, segundo um relatório do Serviço de Alterações Climáticas do Copérnico. E os cientistas já avisaram que é altamente provável que 2023 ultrapasse os recordes de 2022.