Scott Pilgrim cresce

Depois do filme de Edgar Wright de 2010, a banda desenhada canadiana de Bryan Lee O’Malley ganha uma adaptação em formato anime da Netflix.

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Scott Pilgrim Dá o Salto é a nova série em estilo anime baseada na banda desenhada de Bryan Lee O’Malley DR
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Toronto, Canadá, anos 2000. Rapaz conhece rapariga. Só que, para ficar com rapariga, o rapaz, baixista numa banda não muito boa, tem de derrotar os sete ex-namorados malévolos que ela deixou. Tudo ao estilo de videojogos, com moedas no final de cada morte e efeitos sonoros por todo o lado.

Era esta a premissa da saga Scott Pilgrim, iniciada, ao estilo manga, por Bryan Lee O’​Malley em 2003. Durou seis livros, até 2010. Nesse mesmo ano, o britânico Edgar Wright pegou em Michael Cera e um elenco recheado de futuras estrelas, de Aubrey "White Lotus" Plaza a Chris "Capitão América" Evans, passando pela oscarizada Brie Larson ou Kieran Culkin, de Succession, entre muitos outros nomes, para uma adaptação cinematográfica, Scott Pilgrim Contra o Mundo.

Não foi um sucesso. Durante o lançamento original, nem sequer chegou a fazer de volta o que tinha sido gasto para a produção. Mas é um filme de culto e claramente toda a gente envolvida nele olha para ele com carinho — os actores mantêm o contacto, segundo entrevistas, através de uma cadeia de emails reavivada recentemente. É por isso que todos, literalmente todos, independentemente dos Óscares ou das carreiras em franchises de sucesso que tenham agora, voltaram para Scott Pilgrim Dá o Salto, uma nova série em estilo anime da Netfix, co-criada por Bryan Lee O’​​Malley e BenDavid Grabinski. Foi lançada na última sexta-feira. A animação é do estúdio japonês Science SARU. Há que notar, claro, que fazer vozes que podem ser gravadas em qualquer parte do mundo não é bem o mesmo do que participar numa rodagem de semanas ou meses.

As pessoas podem achar que os millennials, a geração que engloba gente nascida entre 1981 e 1996, são jovens. Mas quem tinha 23 anos, a idade de Scott Pilgrim quando a banda desenhada começou, fez ou ainda vai fazer 43 anos até ao fim de 2023. Quem tinha 22 quando, em 2010, saiu o filme que tirava um ano ao protagonista está a bater nos 35. O tempo foi passando, a vida foi acontecendo e o mundo foi mudando.

É por isso que esta nova adaptação não se limita — e isto poderá contar como spoiler — a seguir a história original. As personagens são as mesmas, é a mesma Toronto algures no passado, com rendas mais baixas, vidas com menos expectativas e as mesmas idades. Mas agora há um twist: a história não é bem sobre Scott Pilgrim. Ele nem sequer aparece em vários dos oito episódios. É mais um mistério, cheio de acção e lutas, com Ramona Flowers, o tal objecto de desejo de Pilgrim que tem sete ex-namorados e a quem é dada vida por Mary Elizabeth Winstead, no centro. Esta continua a ser uma história sobre ver o mundo através do prisma da cultura pop, que continua a ter inúmeras referências, do mais óbvio ao mais obscuro, por todo lado: Ramona é fã de Columbo, por exemplo, e há uma linha de diálogo tirada de Southland Tales, o falhanço/filme de culto pós-Donnie Darko e pós-Guerra do Iraque de Richard Kelly.

Se Ramona, muito à moda da ficção da altura, era muito idealizada pelo protagonista e os autores, com pouca vida interior, agora ganha um novo foco. Isso muda a narrativa, que continua hilariante, mas está mais madura. O'Malley podia ter-se limitado, nesta nova série, a dar aos fãs em processo de envelhecimento mais do mesmo e aproveitar a nostalgia deles. Mas dá-lhes muito mais do que isso. Aproveita também para expor e rectificar muitos dos elementos mais sexistas e datados da altura. Isto é especialmente verdade no que toca à personagem Knives Chau, a “namorada” de Pilgrim no início da história, fã da banda que ainda anda no liceu. Não só a história de ambos é mais explicada, ela ganha todo um novo rumo. Os ex-namorados malévolos também ganham muito mais expressão. Scott Pilgrim, a história, cresceu. E temos a sorte de a poder ver.

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