Sara Tavares (1978-2023) foi muito para além de Chamar a Música

A cantora tinha 45 anos. Ficou famosa pela sua participação no programa Chuva de Estrelas, na SIC, e por ter representado Portugal na Eurovisão. Teve uma sólida carreira, com quatro álbuns a solo.

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Sara Tavares em Junho de 2000,Sara Tavares em Junho de 2000 miguel manso/arquivo,miguel manso/arquivo
Sara Tavares (à direita) com a rapper Capicua (à esquerda)
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Sara Tavares (à direita) com a rapper Capicua (à esquerda) LUSA/JOSE SENA GOULÃO
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Em 1994, Sara Tavares imitou Whitney Houston a cantar One Moment in Time e ganhou o Chuva de Estrelas, concurso da SIC. No mesmo ano, representou Portugal na Eurovisão com Chamar a Música, tendo ficado em oitavo lugar, com 73 pontos. Será sobretudo por isso que a cantora, compositora e guitarrista que morreu este domingo aos 45 anos, na sequência de um diagnóstico de tumor cerebral, é recordada junto do grande público. A notícia da morte foi dada pela SIC Notícias e confirmada ao PÚBLICO pelo seu baterista, Ivo Costa, que também trabalhou com ela enquanto produtor.

Mas a sua carreira foi sempre feita para transcender uma música feita de fusões entre tradições várias, do funk, soul, gospel e pop com que cresceu à música cabo-verdiana, angolana ou brasileira, com muito pelo meio. Estreou-se nos discos com um álbum de 1996 em conjunto com o grupo de gospel Shout!. A começar por Mi Ma Bô, produzido pelo congolês Lokua Kanza, em 1999, que lhe abriu, dizia em entrevistas, os horizontes para música africana que ainda não conhecia, como a de Salif Keita e Miriam Makeba. Foi, aliás, uma escolha constante, a de procurar ainda mais ligação a músicas africanas não ocidentalizadas, e a explorar a suas raízes e a uni-las a músicas mais contemporâneas, sempre numa busca de fusão. Lançou quatro discos a solo. Balancê, de 2005, valeu-lhe uma nomeação para revelação nos prémios World Music da BBC Radio 3, e tinha colaborações com nomes como os portugueses Melo D e Ana Moura e o senegalês de origem cabo-verdiana Boy Gé Mendes.

O disco recebeu elogios rasgados de jornais como The New York Times ou The Guardian e ajudou-a a catapultar a sua música no circuito mundial da chamada world music, um ambiente em que teve muito sucesso ao longo dos anos. Xinti, de 2009, foi lançado pela editora neerlandesa World Connection, que também tinha editado, um ano antes, Alive! in Lisboa, gravado ao vivo no Cinema São Jorge, em Lisboa, em DVD, com uma versão também em CD vendida num pack com os seus primeiros discos.

"Sou tímida. E depois, procuro muito"

Houve depois uma longa pausa, por motivos de saúde. Em 2014, a propósito de dois concertos de comemoração dos 20 anos de carreira no Teatro São Luiz, em Lisboa, dizia ao PÚBLICO, numa entrevista de Vítor Belanciano, que ainda tinha uma longa carreira pela frente: "Ainda falta muita coisa para fazer e viver, até porque tenho uma discografia curta. Só tenho três discos e um DVD ao vivo", contava. Nesse concerto teve convidados como Luiz Caracol, Aline Frazão, Dino D’Santiago e Carlão, com quem tinha colaborado num tema para a Festa do Avante!.

Na mesma entrevista, falava de como a fama encontrada em 1994 lhe tinha mudado a vida. "Estava a preparar-me para seguir o liceu, ser uma operária, talvez, mas surgiu a oportunidade de cantar e agarrei aquilo", contava. Justificou ainda o ritmo lento a que gravava e lançava discos: "Sou de passo lento. Sou tímida. E depois, procuro muito. O caminho não foi óbvio. Não havia um estilo genérico que eu quisesse. Estive sempre a trabalhar numa fusão que se quer simples, ao nível dos poemas e da música, mas onde as coisas fluíssem. Levei tempo a bolar isso. E não gosto de forçar, não tenho um método, vou andando um pouco ao sabor do vento."

O seu álbum mais recente, Fitxadu, saiu em 2017, oito anos após o anterior, e tinha como convidados os angolanos Toty SaMed e Paulo Flores, bem como o cabo-verdiano Princezito. Foi nomeado para um Grammy Latino. Desde então, tinha lançado vários singles, o último dos quais, Kurtidu, saiu em Setembro.

Sara Tavares nasceu em Lisboa, em 1978, filha de pais cabo-verdianos que tinham ido morar para Almada, na Margem Sul. Cantou em bandas sonoras portuguesas de filmes Disney como O Corcunda de Notre Dame ou Hércules, e colaborou em discos de artistas como Ala dos Namorados – deu voz ao êxito de 1999 Solta-se o Beijo –, Júlio Pereira, Nelly Furtado, Theo Pas'cal, Filarmónica Gil, Buraka Som Sistema, Slow J, o já mencionado Carlão, Ferro Gaita, Alune Wade e Harold López-Nussa ou Moullinex. Com Lusa

Notícia corrigida com nome de músico cabo-verdiano Princezito.

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