Dominica defende o clima quando cria a primeira reserva natural para cachalotes

Conservar a população de baleias residente ao largo da ilha Dominica das Caraíbas permite sequestrar carbono no fundo do oceano. Como? O segredo está nas fezes destes grandes mamíferos marinhos.

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Um cachalote juvenil nas águas da Dominica Brian Skerry/National Geographic.
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Proteger as baleias ajuda a travar as alterações climáticas? Sim. A criação de uma reserva natural na costa Oeste da Dominica, um Estado-ilha das Caraíbas, onde existe uma população permanente de mais de 200 cachalotes, permite sequestrar tanto carbono como se se tirassem 5000 carros das estradas todos os anos.

Os números são apresentados pelo programa Mares Pristinos (Pristine Seas, em inglês) da National Geographic Society, que apoia a criação deste santuário de 788 km2 pelo Governo da Dominica. “Estas duas centenas de cachalotes que chamam casa ao nosso mar são cidadãos estimados da Dominica. Os seus antepassados provavelmente habitavam a zona antes de os humanos cá terem chegado. A Dominica tem a honra de criar a primeira reserva natural de cachalotes do planeta”, firmou o primeiro-ministro Roosevelt Skerrit, citado num comunicado de imprensa.

Os cachalotes (Physeter macrocephalus) são mamíferos, os maiores predadores com dentes que existem no nosso planeta e têm o maior cérebro de qualquer animal que exista na Terra (seis vezes maiores do que os dos humanos). Os machos têm, em média, 16 metros – são mais compridos que um autocarro da Carris. Em termos ecológicos, ocupam um espaço muito importante, como predadores de topo no mar alto, e como um elo fundamental do ciclo dos nutrientes e do sequestro do carbono.

Isto porquê?

Os cachalotes estão entre os animais que mergulham até mais fundo e durante mais tempo: 650 a 1000 metros, para caçarem as lulas de que se alimentam. Quando regressam à superfície, retomam o fôlego, pois não respiram debaixo de água, descansam e… fazem cocó. As suas fezes ricas em nutrientes, com concentrações de ferro dez milhões de vezes superiores à da água onde estão, potenciam o crescimento de fitoplâncton, que por sua vez captura o dióxido de carbono (CO2) dissolvido na água.

Quando o plâncton morre, afunda-se, vai para o fundo do mar, e leva o carbono com ele, tornando-se um sumidouro de carbono. “Proteger estas baleias dá-nos uma solução climática incrível e eficiente em termos de custos, que tem sido esquecida pelos decisores políticos”, considera Enric Sala, explorador em residência da National Geographic Society, que lançou o programa Mares Pristinos, citado num comunicado de imprensa.

“Ao proteger os cachalotes nas águas da Dominica, está-se a mitigar o aquecimento global, porque vai ser sequestrado mais carbono no fundo mar”, defende Sala, que tem aconselhado o Governo da Dominica neste projecto.

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Uma fêmea de cachalote e a sua cria à superfície nas águas da Dominica Brian Skerry/National Geographic.

O cientista espanhol cita um estudo de 2010 sobre o papel do ferro nas fezes das baleias no sequestro de carbono como base como base para calcular que se existirem 250 cachalotes a viver permanentemente nas águas de Dominica, seria possível sequestrar 4200 toneladas de carbono anualmente no fundo do mar – é uma quantidade equivalente ao carbono sequestrado em 72,8 km2 de florestas durante um ano.

Um estudo publicado em 2019 numa revista Finance and Development, do Fundo Monetário Internacional, com o título Uma Solução da Natureza para as Alterações Climáticas, dava conta de que a recuperação da população de baleias nos oceanos para os níveis anteriores aos da época da grande caça à baleia, acompanhada de um aumento do fitoplâncton, ajudaria a capturar quatro vezes mais dióxido de carbono do que a floresta da Amazónia. Isto porque estes animais, os maiores do planeta, acumulam grandes quantidades de CO2 no seu corpo ao longo da vida de muitas dezenas de anos.

Cada grande baleia sequestra 33 toneladas de CO2, em média, retirando esse carbono da atmosfera durante séculos, pois quando morrem o seu corpo afunda-se no mar, contabilizava o estudo. Uma árvore absorve apenas 21,7 quilos (48 libras) de CO2 por ano, dizia o estudo. Proteger as baleias, garantir que há um maior número destes seres majestosos a viajar pelo oceano, contribuiria para a nossa própria sobrevivência.

Encontram-se cachalotes em muitos mares e oceanos pelo mundo fora, desde a Islândia à Nova Zelândia. Mas a Dominica é um dos poucos países onde há uma população residente – o arquipélago dos Açores é outro desses locais, onde existem importantes maternidades.

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Um cachalote nada sob sargaços à superfície das águas da Dominica Brian Skerry/National Geographic.

35 famílias

Estas baleias formam relações para toda a vida – tomam conta dos filhos umas das outras, têm tradições familiares que são transmitidas pelas avós, e cada todas as famílias que falam o mesmo dialecto de sons pertencem a um mesmo clã, que se diferencia por características como a dieta, padrões de movimento, ou uso do meio em que vivem. A maior parte dos cachalotes da Dominica pertencem ao clã do Leste das Caraíbas, que se julga ter menos de 300 animais, explica o programa Mares Pristinos.

Já foram identificadas 35 famílias nas águas ao largo da Dominica, mas 16 são observadas com regularidade. Frequentam estas águas pelo menos desde 1984, mas é provável que o façam há muito mais tempo. As fêmeas podem viver até aos 70-90 anos, portanto algumas das mais velhas podem ter nascido ali nos anos 1950. Ali vivem fêmeas e crias, porque os machos abandonam a família para vaguear pelos oceanos.

Com a criação da reserva natural para os cachalotes, será nomeado um responsável pelas baleias, e vários observadores, que acompanharão embarcações de turismo e de investigação, para garantir que são cumpridas regras relativas à protecção das baleias, que o Governo da Dominica assegura que serão reforçadas.

Os cachalotes precisam de protecção, porque correm sérios riscos. “Esta comunidade de cachalotes da ilha vive ao lado dos humanos, o que torna as nossas actividades na sua casa no oceano a maior ameaça para elas. Podem ficar presas em artes de pesca, ingerir o lixo plástico que há no mar, são envolvidas no barulho que produzimos e que chega até ao fundo do mar, onde caçam lulas, e são atingidas por navios – nas Caraíbas, este risco é particularmente elevado, porque há muitas embarcações em trânsito entre as ilhas, já que todos os bens são importados”, afirmou Shane Gero, explorador da National Geographic Society e fundador do projecto para os cachalotes da Dominica, citado no comunicado de imprensa.

Entre 2005 e 2015, o número de baleias nas 12 famílias de cachalotes mais estudadas na Dominica tem vindo a diminuir regularmente, aparentemente porque há uma diminuição na sobrevivência, a partir de 2008. Se esta tendência continuar, dizem os cientistas, em 2030 haverá ali poucos cachalotes.

A reserva natural ocupará apenas 3% da área da Zona Económica Exclusiva da Dominica, mas será suficiente para proteger os cachalotes, dizem os responsáveis pelo projecto. A circulação de navios será restringida apenas a corredores determinados para reduzir o risco de colisões com as baleias e também do barulho que as afecta, numa zona que elas usam para se alimentar e cuidar das crias. Isso também reduz o risco de ficarem presos em artes de pesca – o que reduz os custos para os pescadores.