Ministério Público pode travar obras em Sines com providência cautelar

Na justiça, só nos tribunais administrativos há mecanismos para parar trabalhos em curso e evitar mais danos ambientais.

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Construção do data center em Sines já começou Nuno Ferreira Santos
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Perante as notícias que dão conta da destruição de habitats prioritários nas obras em curso para a construção do megacentro de dados em Sines, o Ministério Público pode interpor uma providência cautelar no Tribunal Administrativo de Beja destinada a interromper os trabalhos.

No processo-crime que deu origem à Operação Influencer existem fortes suspeitas de que foi graças às pressões exercidas quer pelos administradores do consórcio Start Campus, quer pelo então secretário de Estado da Energia, João Galamba, que a primeira fase do projecto foi dispensada da avaliação de impacto ambiental no final de 2021.

A Agência Portuguesa do Ambiente — cujo presidente, Nuno Lacasta, também foi constituído arguido neste processo facilitou como pôde o licenciamento do empreendimento. Isso fica claro numa escuta de um telefonema realizado na Primavera de 2022 em que Lacasta fala com o presidente do Instituto da Conservação da Natureza (ICNF), Nuno Banza: “Nós estamos já completamente organizados com o promotor, há um ano e tal. Eles têm sete módulos, desses sete módulos estão agora a construir dois, foram isentados de Avaliação de Impacte Ambiental. Já está resolvido esse tema, percebes? Há um compromisso do promotor que depois fará uma Avaliação de Impacte Ambiental para o resto da coisa, mas são sete módulos, é uma coisa gigante, são não sei quantos hectares, portanto isso está tudo resolvido, está tudo feito, está tudo tratado, está tudo tranquilo”.

Depois de ter avisado que iria dar parecer desfavorável ao projecto, por causa das espécies e dos habitats prioritários ali existentes, o presidente do ICNF acabou por aceitar que fosse erguido numa zona que a lei protege por causa da existência de exemplares de falcões-peregrinos e outras espécies ameaçadas, bem como por via dos habitats da flora e da fauna, nomeadamente charcas. Diz o Ministério Público que Nuno Banza, cujos serviços anunciaram esta semana uma acção de fiscalização no terreno, sucumbiu às investidas de Galamba e do então chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária.

Não existe nenhum mecanismo nos processos-crime que possa desencadear a paragem das obras para evitar que os danos ambientais continuem, explicaram ao PÚBLICO vários especialistas em direito administrativo.

“Se o Ministério Público quiser ver apreciada a legalidade da obra, é nos tribunais administrativos que o deve fazer. E pode interpor uma providência cautelar”, confirma a advogada Arménia Coimbra. Destinada a repor a legalidade, esta acção pode também ser desencadeada por associações ambientais e incluir um pedido de suspensão da eficácia das decisões dos organismos ligados ao ambiente que viabilizaram a obra. Pode igualmente incluir um pedido para estas autoridades adoptarem determinado procedimento como por exemplo fiscalizarem o local.

Apesar de habitualmente representar o Estado, o Ministério Público também tem o dever de zelar pela legalidade. E possui, à luz da lei, legitimidade para propor processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado.

Habituado há muitos anos a representar associações cívicas e ambientais, o advogado Rui Amores gostava de ver ser dado este passo, mas duvida que isso suceda: “Além da falta de meios, o Ministério Público dos tribunais administrativos sofre de alguma passividade”.

Seja como for, recebido um pedido nesse sentido, proveniente do Ministério Público, de uma associação ou até de um particular que se sinta lesado, caberá sempre a um juiz, neste caso do Tribunal Administrativo de Beja, decidir sobre uma eventual interrupção dos trabalhos. O advogado e professor da Universidade do Porto João Pacheco Amorim duvida que numa fase tão preliminar de recolha de indícios pelas autoridades existam argumentos suficientes que possam convencer qualquer juiz a decretar a paragem da obra muito embora a sua continuação possa causar mais prejuízos irreversíveis.

O PÚBLICO questionou sobre o assunto a Procuradoria-Geral da República, onde funciona o Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Colectivos e Difusos, mas não obteve resposta.

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