Costa contraria Marcelo sobre PGR e critica falta de “bom senso” por crise “irresponsável”

Costa defende que PS se deve manter longe da discussão sobre processo judicial. Ao contrário de Marcelo, diz que não se lembra de ter dito publicamente que lhe pedira para chamar Lucília Gago a Belém.

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António Costa disse aos dirigentes socialistas que a melhor solidariedade que lhe podem dar é uma vitória nas legislativas de Março. Nuno Ferreira Santos
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António Costa contrariou neste sábado o Presidente da República sobre de quem partiu o pedido para que a procuradora-geral da República fosse a Belém dar explicações sobre o processo que envolve o primeiro-ministro no âmbito da operação Influencer e responsabilizou Marcelo Rebelo de Sousa por mais uma "crise política irresponsável" ao ter decidido marcar eleições, criticando ainda a sua falta de "bom senso".

Num intervalo da reunião da comissão nacional do PS que decorre em Lisboa, o primeiro-ministro recusou confirmar aos jornalistas se partiu de si o pedido para que a procuradora-geral da República fosse recebida em Belém no dia das buscas e detenções no âmbito da operação Influencer, como noticiou o Expresso. E contrariou mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, que disse que o primeiro-ministro já tinha admitido publicamente que o pedido fora seu. "Terá que perguntar ao Presidente que comentário público terei eu feito; não me ocorre nenhum", replicou Costa quando confrontado.

Costa alegou que nunca comentou as conversas que tem com o Presidente da República por se tratar de uma questão de confiança entre instituições - "nunca falei, em oito anos, nem por mim, nem por heterónimos que escrevem nos jornais" - e garantiu que não o fará agora. "São conversas entre dois titulares de órgãos de soberania e é nesse plano que se devem desenvolver as conversas. No dia em que um comece a achar que pode dizer o que o outro disse ou não disse, seguramente as relações entre os órgãos de soberania correrão com uma menor fluidez do que devem. Eu tenho procurado, nestes oito anos, em manter uma relação absolutamente impecável com todos os órgãos de soberania (...) e assim manterei."

O líder socialista aproveitou também para deixar várias críticas ao Presidente da República sobre a decisão de levar o país a eleições novamente, ao dizer que devia ter havido, da parte de Marcelo Rebelo de Sousa, "bom senso" de não desencadear esta "crise política irresponsável". Dizendo que há um cenário internacional "muito pesado", acrescentou que "tudo recomendava que tivesse havido bom senso em não ter desencadeado esta crise política. Mas, uma vez desencadeada, o PS tem que fazer como fez nas últimas eleições: falar e mobilizar os portugueses. Porque, tal como resolveram a última crise política irresponsável, agora devem também resolver a nova crise política irresponsável."

Melhor solidariedade é ganharem as legislativas, pediu Costa

Aos dirigentes, num discurso à porta fechada, o líder socialista defendeu medidas e metas da sua governação, pediu que o partido se mantenha longe do debate sobre o processo judicial e que deixe que ele próprio faça a sua defesa. Depois de receber muitos elogios, apoios e aplausos, disse que a melhor "solidariedade" que os socialistas podem mostrar é voltarem a ganhar as eleições legislativas de Março. "O PS tem que se concentrar na continuação de uma boa acção governativa que permita continuar a trajectória económica", apontou aos jornalistas.

Questionado sobre se há desenvolvimentos sobre o seu processo no Supremo, Costa disse não conhecer mais nada além do que tem sido noticiado. "A senhora procuradora-geral da República entendeu dar nota pública que há um processo aberto contra mim (...) entendo que quem exerce as funções de primeiro-ministro não pode estar sob suspeita e muito menos num processo criminal. Não sei mais nada."

Repetindo a máxima "à justiça o que é da justiça, e à política o que é da política", Costa defendeu que "não faz qualquer sentido fazer uma campanha eleitoral ou um debate político em torno daquilo que ocorre na justiça". Não quis "especular" sobre o tempo que a justiça poderá demorar, mas admitiu que o segundo comunicado da PGR esclareceu que o seu processo, embora coordenado no Supremo, levará o mesmo tempo que o conjunto do processo. "Para mim, ficou claro o que isso significa, que é um processo que durará muito e muito tempo. Se for diferente, seguramente ficarei a saber pela comunicação social, que é o meio de comunicação que a justiça tem mantido comigo", ironizou.

"O que cabe ao PS não é intrometer-se no tempo da justiça mas é concentrar-se no tempo dos portugueses", defendeu António Costa referindo-se às eleições. Por isso, quer que o PS aproveite esta crise política para, no debate interno, "renovar ideias, corrigir erros, inspirar-se nas coisas seguramente boas que também acontecerem e apresentar-se aos portugueses de forma unida e capaz de assegurar uma vitória nas eleições de 10 de Março". E depois, que o partido "se mobilize" ganhar as eleições. Que Costa considera possível lembrando as sondagens feitas na "pior semana possível para o PS". "Não há nenhuma que não dê o PS à frente ou empatado tecnicamente", realçou. "Seguramente, com uma nova liderança, uma nova energia, com um programa renovado, o PS terá todas as condições para vencer."

Aviso à direita: Açores mostram que Chega é "factor permanente de instabilidade"

Lamentando que a bolha mediática e os comentadores olham para a estratégia e futuro, Costa considerou que os eleitores "são muito práticos" e como exemplo falou de uma ida sua à farmácia - ironicamente, algo que o Presidente da República também costuma fazer - em que lhe contaram que muitos idosos lá foram na tarde da sua demissão e questionaram o que irá acontecer com as suas pensões. "Não vivemos num país perfeito, longe disso, mas [as pessoas] sabem bem (...) o que foi a trajectória [económica] e que isto não se pode perder", salientou.

Porque, argumentou, "a alternativa da direita é de instabilidade". "Mesmo uma maioria parlamentar aritmética dependente do Chega pode ser uma maioria parlamentar mas nunca será uma maioria governativa. Porque o Chega não é um partido igual aos outros pela sua ideologia e pelo seu comportamento. Será um factor permanente de instabilidade." E isso faria com que o Presidente fosse confrontado com a necessidade de uma nova dissolução, pelo que é preciso, defendeu o líder socialista, que a direita não seja maioritária no Parlamento.

"Porque o Chega não existe para governar; existe para contestar, para perturbar. Por isso, não é por alguém pensar que lá por fazer um acordo com o Chega e ter uma maioria na AR cria condições de governabilidade. Pelo contrário: não cria. É um factor de enorme ingovernabilidade, como se está a ver agora nos Açores, onde provavelmente nem o orçamento conseguem aprovar."

Aliás, a actual dissolução - aproveitou Costa para insistir - "era totalmente despropositada e desnecessária, mas está feita".

António Costa garante que não vai apoiar qualquer dos candidatos à sua sucessão embora vá votar nas directas do partido. "Tendo tido o privilégio de ser nove anos secretário-geral do PS com um apoio tão vasto, não ficava bem intervir na escolha de quem me vai substituir." Salientou que trabalhou com Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro "com grande proximidade", que tem "admiração e estima por ambos", conhece "as qualidades de ambos".

"Não tenho qualquer dúvida que qualquer deles será um grande secretário-geral do PS e sobretudo um óptimo primeiro-ministro e qualquer deles é uma alternativa muito qualificada em relação àquilo que são as ofertas das oposições." Disse que entregará a chave do seu gabinete de secretário-geral na sede no dia 17 de Dezembro e que passará a "estar à disposição como militante base do PS para tudo o que entenderem" que o seu contributo é relevante". Dentro da reunião, perante os membros da comissão nacional, António Costa lembrou que se filiou na Juventude Socialista na adolescência, afirmando que quem entra aos 14 anos num partido como o PS não pode sair aos 62 - e deixando a porta aberta para o futuro.

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