Do jacinto ao mexilhão: todos os anos há novas espécies invasoras no Guadiana

Sistema de rega de Alqueva está sob permanente ameaça do jacinto-de-água e do mexilhão zebra. Estas espécies invasoras podem inutilizar 2200 quilómetros de canais da rede de rega e 72 pontos de água.

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O jacinto-de-água (Eichhornia crassipes) Roger Tidman/GettyImages
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O jacinto-de-água (Eichhornia crassipes) Ullstein Bild/GettyImages
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Reza a história que o "veterano" e persistente jacinto-de-água que hoje infesta o rio chegou por acidente ou desleixo quando alguém, por volta de 2003, atirou para a bacia do Guadiana uma planta adquirida num estabelecimento comercial para decorar um aquário. Mas, esta não é a única "praga" a perturbar a saúde daquele ecossistema. Mais recentemente, foi a vez do mexilhão-zebra colocar em sobressalto a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA). Os especialistas têm analisado em pormenor a viagem destas duas ameaças em específico e avisam que, com as alterações climáticas, as novas espécies invasoras vão continuar a proliferar em Portugal.

“Invasões Biológicas! Que futuro?” foi o tema que a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) colocaram em debate numa conferência realizada este mês, em Beja. Foi aí que Nicolas Cifuentes, técnico responsável pela Qualidade Ambiental na Confederação Hidrográfica do Guadiana (CHG), deu conta do esforço financeiro e logístico que o Estado espanhol aplicou, entre 2005 e 2020, para erradicar o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes), operação que se mantém e que coordena.

O especialista realçou a experiência que foi adquirida com os 15 anos de intervenções no rio ibérico contaminado pela planta infestante originária das bacias sul-americanas do Amazonas e do Orinoco. E até admite, pela dimensão da tarefa realizada, “não foi encontrado nenhum esforço semelhante em nenhum outro lugar do mundo”.

Recuando no tempo, Nicolas Cifuentes explicou que a planta infestante apareceu no Guadiana em 2003 depois de alguém ter largado na bacia do Guadiana uma planta adquirida num estabelecimento comercial para decorar um aquário.

Dois anos depois, a sua propagação tornou-se “massiva”. Um extenso manto verde, rapidamente cobriu, em contínuo, 75 quilómetros do curso do rio. Em 2009 a colonização da infestante exótica chegou a Badajoz.

À boleia das águas da cheia

Ana Ilhéu técnica da EDIA para o Ambiente acrescentou a esta cronologia de acontecimentos, o que aconteceu na sequência da cheia que fez transbordar o caudal do rio Guadiana em 2012. Naquele ano, receberam um alerta informando que a barragem do Montijo (Espanha), instalada no rio Guadiana, estava a proceder a descargas que arrastavam o jacinto-de-água para jusante. O receio que chegasse à albufeira de Alqueva acelerou a instalação, “em tempo recorde”, da primeira barreira num troço do Guadiana com 12 quilómetros, para travar a passagem da planta aquática.

As inúmeras acções de remoção da infestante que tinham sido realizadas não estavam a impedir a sua contínua propagação. Temia-se que a albufeira de Alqueva viesse a ser contaminada. Para evitar este perigoso desenlace, as autoridades espanholas recorreram, em 2018, a um “plano de choque” para, numa derradeira tentativa, erradicar o jacinto-de-água que já atingira a fronteira com Portugal. Foram retiradas das águas do Guadiana cerca de 750 mil toneladas da biomassa aquática, que foram somadas a um volume equivalente anteriormente recolhido.

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Sementes desta espécie podem permanecer em estado latente por 15 anos para germinar quando as condições ambientais se revelarem propícias Antonio Duarte/GettyImages

Separar os jacintos dos arbustos

Mesmo assim, fragmentos da planta conseguiram chegar a território português, obrigando à instalação de 4 barreiras no troço que antecede a entrada na albufeira de Alqueva, próximo da ponte da Ajuda. O esforço “tremendo” aplicado na recolha manual da infestante, é recordado pelo presidente da EDIA, José Pedro Salema, frisando que ele próprio chegou a participar numa das acções em que era exigida minúcia na detecção de exemplares da planta exótica no meio de arbustos e arvoredo nas margens do Guadiana. Só assim foi possível evitar que o jacinto-de-água viesse a cobrir a albufeira de Alqueva. Se tal viesse a acontecer representaria um desastre ambiental de imprevisíveis consequências.

Em Dezembro de 2020 a Junta Regional da Extremadura, anunciou que “já não se registava a presença de plantas vivas de jacinto-de-água (em espanhol camalote) em nenhum trecho do rio Guadiana”. A sua propagação que fora combatida ao longo de 15 anos, obrigou ao dispêndio de uma verba superior a 50 milhões de euros.

A remoção efectuada deixou o rio limpo e também “uma falsa sensação de que erradicamos o jacinto-de-água” constata Nicolás Cifuentes. Com efeito, as sementes desta espécie podem permanecer em estado latente por 15 anos para germinar quando as condições ambientais se revelarem propícias.

Invasão do mexilhão-zebra

Superada a ameaça do jacinto-de-água, foi a vez do mexilhão-zebra (Dreissena polymorpha) lançar o pânico na EDIA. Em Outubro de 2019, registou-se a primeira ocorrência registada em Portugal desta espécie e num reservatório em Alfundão (Ferreira do Alentejo), que integra o Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA). O aparecimento deste molusco bivalve de água doce que é nativo dos lagos do sudeste da Rússia, causou estranheza a David Catita, técnico no Departamento do Ambiente da EDIA. O reservatório está totalmente vedado, com acesso restrito a técnicos, e interdita a actividades de pesca e de lazer.

Nos esclarecimentos que prestou ao PÚBLICO. David Catita salientou que a população do mexilhão-zebra mais próxima do reservatório de Alfundão, encontra-se em Espanha a cerca de 190 quilómetros de distância, “não sendo possível identificar o vector de disseminação”. Foram encontrados indivíduos adultos e juvenis fixos na corda, a partir de um metro de profundidade, uma invasão em força, mas muito localizada.

O especialista assume que o sistema de monitorização instalado precocemente “evitou efeitos monstruosos nos sistemas de rega” de Alqueva. Se viesse a verificar-se uma proliferação mais extensa, “estaríamos perante uma situação que implicaria montar uma nova estrutura de rega em grande parte do sistema.

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Molusco bivalve de água doce que é nativo dos lagos do sudeste da Rússia Ed Reschke/GettyImages

Colonização iminente

Contudo, a reduzida quantidade de medidas preventivas a nível nacional e a elevada quantidade de vectores de dispersão, como embarcações, atrelados, equipamentos de pesca ou lúdicos, entre outros, potencia a iminente colonização de novas áreas em Portugal com mexilhão-zebra.

Em Portugal as espécies invasoras “estão a aumentar significativamente", sublinhou Elisabete Marchante, investigadora no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, dando conta que “todos os anos aparecem cerca de 200 novas espécies invasoras”.

A profusão das pragas é tal, que “deixou de ser possível lidar com todas elas”, acrescentou a investigadora, salientando a necessidade de estabelecer prioridades”. Nicolas Cifuentes partilha da preocupação expressa pela investigadora da Universidade de Coimbra, lembrando que “continua a ser alta a probabilidade de introdução de espécies invasoras que todos os anos aparecem no Guadiana”.

Para Pimenta Machado, vice-presidente da APA, a questão de fundo está nas alterações climáticas. O aquecimento das massas de água portadoras de elevados índices de nutrientes “acelera o aparecimento das espécies exóticas” acentuando que a resposta está no combate às causas que provocam o desequilíbrio dos ecossistemas.