Tecnológica portuguesa quer criar nova forma de comunicar. “É como telepatia”
O projecto Halo, da portuguesa Unbabel, usa IA e informação muscular para ajudar a comunicar através do pensamento. Doentes de esclerose lateral amiotrófica (ELA) entre os potenciais beneficiários.
Imagine poder comunicar só com o pensamento. Para a empresa portuguesa Unbabel, é este o futuro da comunicação. Criada em 2013, enquanto startup de tradução automática, a Unbabel quer agora explorar modelos de linguagem alternativa. Halo, o mais recente produto da tecnológica, usa inteligência artificial (IA) e sensores que medem a actividade eléctrica dos músculos para descodificar o que os seus utilizadores querem dizer através de um pequeno aparelho que pode ser colocado no braço ou na cabeça (como uma bandolete). A informação é depois transmitida via texto ou voz.
O sistema é visto como uma mais-valia para pessoas com dificuldades de fala agravadas – por exemplo, devido a esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença debilitante que acaba por levar à paralisia total. Foi apresentado no primeiro dia da Web Summit, que teve lugar esta semana em Lisboa.
“Há dois caminhos que levam a este projecto”, começa por explicar ao PÚBLICO Vasco Pedro. “O primeiro é a visão da IA como uma maneira de aumentar o cérebro humano. O outro foi a necessidade de comunicação em situações onde a parte verbal ou de escrita não é possível.”
Ao usar sensores EMG (electromiografia) e grandes modelos de linguagem (LLM), o Halo poderá substituir os actuais modelos de comunicação para pacientes com dificuldades de fala, que são baseados em rastreio ocular. Estes sistemas seguem o movimento dos olhos das pessoas num teclado. A proposta da Unbabel é mais rápida e pode ser usada no exterior com mais facilidade
“Há muitas línguas no mundo. Mas existe uma ‘língua original’, uma única língua universal, a que acontece dentro das nossas cabeças”, esclarece o líder da Unbabel. “Se olharmos para imagens por ressonância magnética funcional, percebemos que, ao pensar num objecto, mesmo que em línguas diferentes, as pessoas activam as mesmas zonas do cérebro.” O Halo tenta descodificar este processo. Vasco Pedro compara o resultado a "telepatia".
Oitenta palavras por minuto
Uma pessoa que não tenha dificuldades de expressão oral diz cerca de 125 palavras por minuto. Com a técnica de rastreio ocular, é possível chegar às dez palavras. O Halo permite 15, mas a meta são 80. Caso o projecto consiga exceder as 125 palavras, estaremos perante um “cenário sobre-humano”. Tal como sinaliza Vasco Pedro, ter-se-ão criado “canais de comunicação mais eficientes do que a linguagem actual.”
O Halo já começou a ser testado.“O habitual puré de carne e fruta assada amor”, respondeu Mário, nome fictício, quando questionado sobre o jantar. Foi esta a primeira frase do primeiro paciente com ELA a experimentar a tecnologia, ainda na semana passada. “É uma interacção mundana, mas muito difícil para alguém com ELA”, sublinha Vasco Pedro. “É uma doença terrível, já que as pessoas estão 100% conscientes mas não conseguem comunicar.” Estima-se que mais de 200 mil pessoas em todo o mundo vivam com ELA.
O sistema também permite recriar a própria voz dos utilizadores. A partir de mensagens de voz que foram enviadas por Mário antes da perda total da fala, a Unbabel conseguiu reproduzir o som da sua voz. “De acordo com a mulher, a voz está muito perto do que era”, afirma Vasco Pedro.
O projecto conta já com o apoio da Fundação Champalimaud, instituição dedicada à investigação biomédica avançada. Quanto ao futuro, Vasco Pedro adianta que os pacientes interessados são muitos, mas que “a nível de produto, ainda há muito trabalho a fazer". Além do caso dos doentes de ELA, o Halo poderá ajudar noutros cenários que envolvam dificuldades de comunicação, como a paralisia cerebral.
Como funciona ao certo o Halo?
O Halo tenta decifrar aquilo que alguém quer dizer ao utilizar um sistema para medir a resposta muscular ou actividade eléctrica decorrente da estimulação nervosa do músculo (EMG − electromiografia). Isto permite perceber as zonas do cérebro que estão a ser activadas. Depois, a Unbabel usa IA generativa, que produz novos conteúdos com base em grandes quantidades de dados. Este sistema é menos invasivo do que outras propostas, tais como o sistema Neuralink, de Elon Musk, que usa EEG (electroencefalografia), capaz de medir directamente a actividade eléctrica do cérebro.
Conscientes da evolução e subsequente autonomização do sistema límbico, parte do cérebro associada às emoções e memória, e do neocórtex, região cerebral responsável por funções cognitivas mais avançadas como a linguagem ou a tomada de decisões, a Unbabel propõe a criação de um "uber córtex". “[Esta] próxima expansão do cérebro humano, à qual chamamos ‘uber córtex’, será feita através da IA e de recursos de computação fora do nosso cérebro. Hoje em dia, usar IA parece-nos algo fora do nosso cérebro, porque a usamos no nosso telemóvel”, explica. “Eu vejo esta fase da IA generativa como uma prótese cognitiva capaz de aumentar a nossa capacidade.”
Vasco Pedro garante que o utilizador tem controlo sobre o que será emitido. O sistema “não está a gravar o que estou a pensar. Está a gravar o que eu quero dizer”.
Texto editado por Karla Pequenino