Alunos em protesto pelo clima expulsam representantes do Chega da Faculdade Ciências Sociais
Representantes do Chega foram distribuir panfletos contra o activismo climático na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e foram vaiados pelos estudantes.
Dezenas de estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa juntaram-se para expulsar daquele recinto, ao início da tarde desta quinta-feira, representantes do Chega, incluindo a deputada do partido de direita radical Rita Matias. O grupo estava a distribuir panfletos que satirizavam o activismo climático justamente na semana em que a Greve Climática Estudantil (GCE) iniciou uma temporada de acções, incluindo na FCSH.
O núcleo da GCE daquela faculdade tinha marcado para esta quinta-feira uma manifestação para as 13h30, mas a ida do Chega à FCSH antecipou o protesto. "A comunidade estudantil em geral estava vivendo um dia normal, até as pessoas do Chega começarem a chegar e a distribuir panfletos com uma imagem que satiriza o movimento climático", descreveu ao PÚBLICO Lux Souto Maior, estudante da FCSH e porta-voz do núcleo da GCE da faculdade.
O panfleto da autoria da Juventude Chega dizia "Desmontar a crise climática para totós". "Usaram o rosto de uma activista do Climáximo sem a sua permissão, modificaram o que dizia o cartaz dela e usaram-no contra o movimento climático em geral", referiu ainda Lux Souto Maior.
Nos vídeos divulgados, é possível ver os estudantes a gritarem “Fora!” e “Rua!” aos representantes do partido da direita radical. “Os estudantes da manifestação não aceitaram a sua presença [do Chega]”, de acordo com o comunicado da GCE.
Rita Matias disse ao PÚBLICO que chegou à faculdade num grupo de “12 jovens” ligados à Juventude Chega para distribuir panfletos e que pelas 11h30 já estavam a sair. "Fomos rodeados pelos activistas que estavam a fazer uma ocupação”, descreveu.
Embora a única exigência dos estudantes fosse que o grupo saísse da faculdade, o grupo permaneceu durante duas horas. "Não sabíamos se tínhamos segurança para sair”, justificou Rita Matias. No entanto, num dos vários vídeos a que o PÚBLICO teve acesso, é possível ver um grupo do Chega junto a um canteiro de plantas e um espaço alargado entre eles e as estudantes.
“Havia muita indignação e dissemos que nós não arredávamos pé até que estas pessoas saíssem”, disse ao PÚBLICO Leonor Chicó, outra estudante da FCSH. Mas “nunca foi instigado nenhum tipo de violência”, garantiu. Já Rita Matias disse que o grupo do Chega foi alvo de “empurrões, pontapés, cuspidelas e que lhe atiraram água, sumos e objectos”, disse a deputada.
Mas os vários testemunhos que chegaram ao PÚBLICO dizem que não viram nenhum comportamento desse tipo e que a única agressão foi feita por uma das pessoas do Chega. “Um senhor fez um comentário xenófobo a uma aluna imigrante e depois tentou agredi-la”, contou Lux Souto Maior. “Ela simplesmente não foi agredida porque as pessoas do movimento climático se puseram na frente e impediram que o ataque chegasse a ela.”
Entretanto, a PSP entrou na faculdade. “A pedido da deputada à Assembleia da República Rita Matias, que participava na acção, a PSP entrou no campus para identificar alguns dos presentes”, de acordo com um comunicado enviado pela direcção da FCSH ao PÚBLICO. Rita Matias diz ainda que vai apresentar uma queixa-crime contra os estudantes identificados.
Esta é a segunda vez que a polícia entra naquele recinto em apenas uma semana. A primeira foi na noite de segunda-feira, o primeiro dia das ocupações pelo clima – estudantes em várias faculdades e escolas secundárias estão a reivindicar o fim dos combustíveis fósseis até 2030 e electricidade 100% renovável e acessível até 2025.
Entre outras acções, o núcleo da GCE da FCSH decidiu passar a noite no recinto logo na segunda-feira. Mas a direcção da faculdade decidiu chamar a polícia apesar de, ao longo do dia, nenhum elemento da direcção se ter reunido directamente com as alunas.
Nessa noite, seis estudantes foram detidas. “As mesmas caras que nos detiveram e nos torturaram na segunda-feira, estavam agora a identificar estudantes”, disse Leonor Chicó. A GCE acusou a PSP de maltratar as estudantes. À Lusa, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP recusou comentar estas acusações. Na quarta-feira, três estudantes do núcleo climático da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa também foram detidas.
A retórica do Chega
A acção do Chega na FCSH não começou hoje. Nesta semana, o partido já foi à Faculdade de Direito e à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. “Pegamos no pretexto climático para desconstruir algum enviesamento que identificamos à esquerda, marxista”, explicou Rita Matias, argumentando que por trás das reivindicações da GCE está a defesa de medidas “comunistas”.
“Isso é uma característica típica dos partidos populistas de extrema-direita, que já foi identificado noutros países”, disse ao PÚBLICO Susana Batel, investigadora e docente do ISCTE, que lidera o projecto Just Energy, que estuda as intersecções do populismo de extrema-direita em Portugal com a transição energética.
“Há sempre essa questão retórica de que a actuação [daqueles partidos] não é contra o combate às alterações climáticas, mas de uma elite – que acusam de ser cosmopolita, burguesa, que defende um conjunto de políticas identitárias à esquerda. Faz parte da retórica deste tipo de partidos mais do que de uma convicção ideológica”, apontou, acrescentando que “no manifesto do Chega nem sequer é discutida a questão das alterações climáticas e a transição energética de uma forma directa”, o que é “inadmissível” para um partido que nasceu há poucos anos.
“Os protestos são mais que cruciais, porque a crise climática é a base de todas as injustiças sociais que vivemos a nível global”, defende a investigadora.
Já as estudantes da GCE acusam o Chega de propaganda contra as ocupações. “Nós condenamos a posição deles porque estamos a combater pelo nosso futuro, pelas nossas vidas”, disse Maria Faria. “Somos uma faculdade pelos valores de Abril e os ideais do Chega não são compatíveis com os valores de Abril, de todo.”
Questionada sobre a sua posição em relação ao sucedido, a direcção da FCSH distancia-se de posicionamentos políticos: “A direcção acompanhou a situação em permanência, promovendo o diálogo entre as partes, no sentido de pacificar e manter a segurança de todos. A actividade lectiva decorreu dentro da normalidade.”