Uma explosão de raios gama longínqua atingiu a atmosfera da Terra. E deixou rasto
Foi a explosão de raios gama mais brilhante que alguma vez detectámos, fenómeno registado em 2022. Os cientistas alertam que outra explosão deste tamanho perto de nós pode ser mais perigosa.
Há cerca de 2000 milhões de anos, numa galáxia muito para além da nossa Via Láctea, uma estrela grande que se destrói numa enorme explosão chamada “supernova”, desencadeando por sua vez uma grande explosão de raios gama, que contêm mais energia do que qualquer outra onda no espectro electromagnético.
Estas ondas atravessaram o cosmos e, finalmente, alcançaram a Terra no ano passado. Esta explosão, disseram agora os investigadores, causou um distúrbio significativo na ionosfera da Terra, uma camada superior da atmosfera do planeta que contém gases electricamente carregados a que chamamos plasma. Os cientistas já tinham determinado antes que esta foi a explosão de raios gama mais forte alguma vez detectada.
A ionosfera situa-se cerca de 50 a 950 quilómetros acima da superfície da Terra, estendendo-se já ao chamado “espaço exterior”. Ajuda a formar uma barreira entre o vácuo do espaço e a atmosfera inferior, habitada pelos humanos e os outros habitantes da Terra.
Os raios gama provenientes da explosão atingiram a atmosfera da Terra durante cerca de 13 minutos no dia 9 de Outubro de 2022. Até foi descrita pelos cientistas como “a mais brilhante de todos os tempos”, recebendo o acrónimo em inglês BOAT, de Brightest Of All Time, tal foi o deslumbramento provocado. A explosão foi detectada por um observatório que a Agência Espacial Europeia (ESA) tem no espaço – o Integral, ou International Gamma-Ray Astrophysics Laboratory –, bem como por diversos outros satélites em órbita próxima da Terra.
Os raios gama causaram uma variação forte no campo eléctrico da ionosfera, de acordo com Mirko Piersanti, um investigador de meteorologia espacial na Universidade de Áquila, em Itália, e autor principal do estudo publicado na revista Nature Communications. “Foi semelhante ao que acontece geralmente durante um evento de erupção solar”, disse Mirko Piersanti, referindo-se às explosões de energia poderosas do Sol.
No entanto, a explosão de raios gama ocorreu a uma distância muito grande – com os raios gama a viajar uma distância de cerca de 2000 milhões de anos-luz até nós – em comparação com a relativa proximidade do Sol, mostrando como mesmo fenómenos distantes podem influenciar a Terra. Um ano-luz é a distância que a luz viaja durante um ano, o que equivale a 9460 milhões de quilómetros.
As medições de instrumentos na Terra mostraram que os raios gama perturbaram a ionosfera durante várias horas e até fizeram disparar detectores de relâmpagos na Índia. A perturbação chegou às camadas mais baixas da ionosfera. Desde os anos 60 que os cientistas medem explosões de raios gama - libertações de energia por supernovas ou em colisões de duas estrelas de neutrões, que são núcleos densos de estrelas enormes que entraram em colapso. De acordo com cientistas, uma explosão tão grande como a que foi detectada no ano passado deverá atingir a Terra uma vez em cada 10.000 anos.
A ionosfera, que ajuda a proteger a vida na Terra, absorvendo raios ultravioleta perigosos vindos do Sol, é bastante sensível às alterações das condições magnéticas e eléctricas no espaço, normalmente ligadas à actividade solar. Também se expande e contrai em resposta à radiação solar. Embora esta explosão de raios gama não tenha causado efeitos negativos na vida na Terra, foi levantada a hipótese de que uma explosão forte originada dentro da Via Láctea e apontada directamente para nós poderia representar perigo – incluindo extinções em massa – ao sujeitar a superfície da Terra a uma onda nociva de radiação ultravioleta.
Porém, “a probabilidade de isto acontecer é muito insignificante", realçou Pietro Ubertini, astrónomo do Instituto Nacional para a Astrofísica, em Itália, e co-autor do estudo. Os efeitos desta explosão de raios gama foram estudados com o auxílio do Satélite Sismo-electromagnético da China (CSES, na sigla em inglês), também chamado Zhangheng, uma missão chinesa e italiana lançada em 2018. “Aqui tivemos sorte, porque usámos o instrumento EFD (detector de campo eléctrico), que está a bordo do CSES e que é capaz de medir o campo eléctrico com uma resolução sem precedentes”, acrescentou o cientista.
Pietro Ubertini disse ainda que a perturbação ocorrida na ionosfera não foi vista por ninguém em terra. “Ninguém detectou nada, mas não sabemos se teria sido possível ver algum sinal visível ao olhar para o céu na altura certa.”