“Na ilusão de uma picada, caio na normalidade”. Música retrata o dia-a-dia de alguém com diabetes
Glico-Eu, da autoria de Sérgio Nascimento, é um tema alusivo à diabetes de tipo 1 e uma forma de alertar para a diabetes, patologia que afecta cerca de um milhão de portugueses.
“E assim contra o tempo, contra a força e a vontade, na ilusão de uma picada, caio na normalidade”: é este um dos versos da música Glico-Eu, um tema de Sérgio Nascimento que retrata o dia-a-dia de uma pessoa com diabetes e que é lançado esta terça-feira, Dia Mundial da Diabetes.
A música é da autoria de Sérgio Nascimento, multi-instrumentista, compositor e produtor nascido no Porto, fundador de projectos como os Crossfire, Allma— All Music Attraction, Lado A’Lado, Morabeza e The Catwalkers. O compositor participou também noutros projectos, como é o caso do tema Amor Gentil, de Sandra Falé, e é produtor no seu próprio estúdio, a Vox Studios.
A música de intervenção não é uma novidade para Sérgio Nascimento — em 2021, o compositor lançou o single Vai, um tema de apoio ao seu irmão e atleta Carlos Nascimento, aquando da sua participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Neste momento, Sérgio Nascimento está a gravar o seu primeiro álbum, Contraste, com o apoio da SPA — Sociedade Portuguesa de Autores, a estrear em Fevereiro de 2024.
O single Glico-Eu é alusivo à diabetes de tipo 1, doença auto-imune que vai destruindo as células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina e que o músico vive na primeira pessoa. O tema é, portanto, uma forma de alertar para a diabetes, patologia que afecta cerca de um milhão de portugueses. Juntamente com o single, é também lançado esta terça-feira o videoclip.
Mas porquê “Glico-Eu”? “O nome tem a ver precisamente com o facto de eu ser diabético, já há praticamente mais de metade da minha vida. A canção Glico-Eu — e a própria letra — retrata aquilo que é um dia-a-dia de alguém portador desta patologia”, explica Sérgio Nascimento. “Glico” tem, portanto, a ver com a glicose, “que é, normalmente, a primeira palavra que vem à mente quando se fala de diabetes”. Junta-se depois o “eu” porque é uma história contada na primeira pessoa.
Enfrentar “falésias” na diabetes
E como é o dia-a-dia de um diabético? “Uma surpresa, algo imprevisível porque a glicemia mexe com o nosso bem-estar, humor e energia. Por muito que nos preparemos para mais um dia, nem sempre as coisas correm como esperamos”, explica o compositor, acrescentando que “um diabético pode passar por uma hipoglicemia ou hiperglicemia — ou seja, valores muito baixos ou altos de glicose no sangue — e isso cria aqui um certo desequilíbrio”.
A letra fala, portanto, da forma como Sérgio Nascimento tenta contornar essas “falésias” através do sentido de humor, optimismo e força de vontade. “Faço questão de ver sempre tudo com um sorriso na cara. É o melhor antídoto para enfrentar, às vezes, estas ditas falésias”, conta.
O músico mostra-se preocupado com os eventuais danos que a doença possa provocar nalguns órgãos. “Não sei como será a minha saúde dentro de uma ou duas décadas. E, às vezes, na ‘hora H’, quando precisamos de estar bem, a diabetes decide pregar uma pequena rasteira”, elucida Sérgio. Além disso, esta patologia “provoca um certo desgaste emocional e o sistema nervoso acaba também por ser afectado”.
O caminho para dar resposta a esta doença que afecta cerca de um milhão de portugueses “está a ser bem percorrido”, na opinião de Sérgio Nascimento, mas poderia ser benéfico “disponibilizar mais meios de diagnóstico e de apoio à diabetes”, defende. Alertar para a prevenção e ajudar os outros a aprenderem a lidar com tudo o que a diabetes acarreta é um dos grandes objectivos do lançamento desta canção. “Eu também já passei uma fase de negação e de dificuldades em relação à doença. Isto é uma aprendizagem constante porque a doença nunca se comporta da mesma maneira”, explica.
O compositor portuense pretende, assim, “passar uma mensagem de esperança e optimismo e alertar para esta patologia”. No fundo, o tema quer “mostrar que a diabetes não é um bicho-de-sete-cabeças” e que “com vontade e com o dito optimismo conseguimos ultrapassar isso”, combatendo ao mesmo tempo o desconhecimento sobre esta doença. Trata-se, portanto, de comunicar ciência de uma forma diferente: através do som. “A música desperta em nós emoções e abre-nos os sentidos para novas informações, que vamos absorver com outra facilidade”, conclui Sérgio Nascimento.
A Direcção-Geral da Saúde divulgou esta terça-feira um relatório que mostra que Portugal mantém uma taxa de prevalência de diabetes elevada, mantendo-se o crescimento no número de casos nos cuidados de saúde primários. O documento revela ainda que a proporção de utentes com diabetes de tipo 2 em vigilância médica e de enfermagem aumentou. Em 2021, 15% das admissões e 20% dos internamentos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde corresponderam a utentes com diabetes. Porém, no mesmo ano, a taxa de mortalidade total e prematura por diabetes diminuiu em relação a 2020. Já o consumo e os custos da medicação para a diabetes aumentaram em 2022, seguindo a tendência dos últimos anos.
Estudos recentes publicados pelas revistas The Lancet e The Lancet Diabetes and Endocrinology alertam que os casos de diabetes no mundo podem chegar a 1300 milhões em 2050, mais do dobro do que em 2021, caso não sejam planeadas estratégias eficazes. Estima-se que o aumento de casos desta doença se deva ao crescimento da diabetes de tipo 2, que será causado pelo aumento da prevalência de obesidade e mudanças demográficas.
A diabetes é uma doença crónica que se caracteriza pelo aumento da glicose — ou seja, níveis de açúcar — no sangue, o que está relacionado com uma produção insuficiente ou actuação ineficaz da insulina, uma hormona produzida pelo pâncreas.
Desde bombas de insulina de última geração a um “pâncreas artificial”, vários têm sido os desenvolvimentos no que diz respeito ao tratamento da diabetes. Em Maio, o Governo anunciou a criação de um programa, a ser aplicado até 2026, para tratamento com bombas de insulina de última geração para as 15 mil pessoas com diabetes de tipo 1 em Portugal com indicação para estes sistemas, mas o PS chumbou no Parlamento a comparticipação total destes sistemas híbridos de perfusão subcutânea contínua de insulina.
No início do ano, um novo pâncreas artificial mostrou funcionar de forma automática através de uma aplicação no telemóvel, que vai recebendo os níveis de glicose da pessoa e calcula a quantidade de insulina necessária para controlar esses níveis — depois, transmite essa informação à bomba de insulina. Espera-se que esteja disponível no mercado nos próximos dois anos.
Uma nova classe de medicamentos, chamados agonistas dos receptores GLP-1 (glucagom de tipo 1), tem também mostrado resultados promissores no tratamento da diabetes de tipo 2. Estes fármacos actuam ao nível do pâncreas, sobretudo nas células beta, potenciando um aumento da libertação de insulina. Além de eficazes no controlo da diabetes, estes medicamentos também mostraram contribuir para uma perda significativa de peso, o que fez com que a procura por estes fármacos aumentasse em todo o mundo, provocando alguma escassez — em Outubro do ano passado, o Infarmed chegou mesmo a pedir aos médicos que prescrevessem o semaglutido (um dos fármacos desta classe) “em consciência”.
Até Julho deste ano, ou seja, em sete meses, as vendas destes fármacos usados na diabetes de tipo 2 com vantagem de reduzirem o peso e apresentarem benefícios cardiovasculares ultrapassaram o dobro do total de embalagens vendidas em todo o ano de 2019 em Portugal – com 916.573 embalagens vendidas até Julho de 2023 e 433.119 em 2019, segundo dados enviados ao PÚBLICO pela Associação Nacional de Farmácias.
Os consumidores mostram-se satisfeitos com os resultados. “Já emagreci oito quilos e tenho a minha diabetes muito controlada”, contou ao PÚBLICO, em Setembro, Nuno Pinto Basto, de 61 anos, que tinha começado a tomar o Ozempic (semaglutido) há cerca de um ano e meio.
Nas últimas semanas, os fármacos agonistas dos receptores GLP-1 têm sido também aprovados em doses mais altas para tratar a obesidade. No Reino Unido, foi autorizada a comercialização do Mounjaro (tirzepatida) e a agência reguladora dos Estados Unidos para os medicamentos e alimentação (FDA, na sigla em inglês) aprovou outro fármaco chamado Zepbound (cuja substância activa é também a tirzepatida) para combater a obesidade.
Os benefícios destes medicamentos vão além do controlo da diabetes e do peso corporal, com vários estudos a mostrarem efeitos positivos dos agonistas dos receptores GLP-1 ao nível cardíaco, renal e até hepático — incluindo a diminuição do risco de ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais e morte em pessoas com risco de doença cardiovascular.