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Ocupações pelo clima: “Foi usada força bruta numa faculdade, é inadmissível”

Comunicado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas diz que se viu obrigado a deter activistas. Estudantes voltam a tentar pernoitar na instituição.

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A onda de acções da Greve Climática Estudantil vai continuar até 24 de Novembro Guillermo Vidal
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O segundo dia da nova vaga de protestos da Greve Climática Estudantil foi marcado pelo que aconteceu durante a noite e a madrugada de segunda para terça-feira na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, quando seis estudantes matriculadas naquela faculdade foram detidas pela polícia, passando a madrugada na esquadra. Esta terça-feira, 14 de Novembro, à tarde, os estudantes manifestaram-se naquela instituição contra a decisão da direcção da faculdade de chamar a polícia e querem, à mesma, pernoitar nesta noite na faculdade.

“Estávamos a resistir pacificamente no espaço da nossa ocupação, quando a polícia chegou à escola e deteve seis estudantes”, disse ao PÚBLICO por telefone Leonor Chicó, estudante da FCSH e uma das pessoas detidas. As estudantes estão acusadas de crime de desobediência e vão a julgamento a 4 de Dezembro. “Foi usada força bruta numa faculdade, é inadmissível.”

A FCSH tem outra versão dos factos, argumentando que foi posto em causa o princípio de confiança entre as estudantes e a faculdade. Primeiro, durante a ocupação feita em Maio, em que, numa das noites, as estudantes colaram as fechaduras das portas de um edifício, e agora nesta segunda-feira.

De manhã, “foram destruídos equipamentos do sistema de detecção de incêndio, o que coloca gravemente em causa a segurança de quem utiliza as instalações. Ao longo do dia, as tentativas de diálogo com o grupo de activistas foram ignoradas”, lê-se no comunicado lançado pela FCSH. Por isso, após o fecho oficial das instalações, às 23h, a faculdade “viu-se obrigada a recorrer às autoridades competentes para garantir o adequado encerramento das instalações”.

Mas Leonor Chicó argumenta que não destruíram nada, apenas accionaram o botão de alarme. “Não há nada para danificar, quando se acciona o alarme ele fica inutilizável. Fizemos isso como forma de dar visibilidade a todos os estudantes de que estamos a viver uma emergência”, argumentou.

Em relação às tentativas de diálogo, a estudante argumenta que, ao longo de segunda-feira, falaram apenas com um mediador. “Respondemos que estudantes estavam a ocupar a faculdade para reivindicar o fim ao fóssil até 2030 e 100% de electricidade renovável em 2025. Era nosso propósito resistir, porque não resistir era ser complacente com este colapso”, disse a estudante de Antropologia.

“Nunca foi aberta uma possibilidade de conversação com a direcção. Era mais um diálogo em forma de ameaça de que íamos ser retirados pelas autoridades. Ao qual respondemos que íamos ocupar até vencer”, reforçou.

Ao longo de segunda-feira nenhum membro da direcção da FCSH falou com as estudantes, confirmou ao PÚBLICO Vítor Alvito, o tal “mediador” que foi tentando falar com as activistas. O PÚBLICO tentou contactar várias vezes o director da FCSH, Luís Baptista, mas não conseguiu obter respostas sobre o que sucedeu até à hora de publicação desta notícia.

A acção da FCSH foi, no entanto, criticada pela Associação de Estudantes (AEFCSH) da faculdade, que não participou das actividades da GCE. “A AEFCSH considera inaceitável que se tenha feito desta situação um caso destas proporções e tamanhas implicações”, lê-se num comunicado.

“A situação verificada é consequência dos crescentes ataques ao direito à faculdade e ao seu espaço (…), ataques que desaguam não só em momentos como o desta madrugada, como também na retirada de faixas, cartazes e autocolantes e no crescente constrangimento na realização de momentos de luta dentro da faculdade, problemas consistentemente sentidos, apontados e combatidos consequentemente pela AEFCSH”, adianta a associação, que defende “que a questão seja rapidamente resolvida e sanada, e que a direcção da FCSH não accione nenhuma queixa contra estes jovens”.

"Pingo de decência"

O episódio ocorre cerca de um ano depois da polémica detenção de quatro estudantes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), três dos quais se colaram ao chão da faculdade durante a noite. Miguel Tamen, director da FLUL, chamou as forças policiais para retirarem os estudantes, que se recusaram e foram detidos. Para que a polícia possa entrar dentro de uma faculdade, é preciso que a direcção daquela instituição a chame.

Na segunda-feira, a direcção da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL) também acabou por chamar a polícia para retirar estudantes que estavam, ao início da tarde, a bloquear a entrada do auditório. “Na outra onda de protestos [da Primavera passada], os estudantes estiveram 15 dias dentro, com todas as condições, puderam pernoitar com custos adicionais para a faculdade”, explicou ao PÚBLICO Telmo Mourinho Baptista, director da FPUL, apontando que aquele protesto “redundou numa greve de fome de duas alunas, para as quais chamou não as autoridades policiais, mas as autoridades de saúde”.

Desta vez, a Faculdade de Psicologia e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que partilham o edifício, tiveram outra posição. “Não temos a capacidade de estarmos continuamente a fazer isso, quando vemos a faculdade várias vezes vandalizada, com inscrições que depois têm de ser apagadas, quando vemos intervenções que têm custos para nós”, admite, referindo ainda que este é um período mais intenso, quando os alunos estão a defender os mestrados.

“Quando se fecha a faculdade, quando se tenta impedir as pessoas de entrar em aulas, como aconteceu ontem, há uma perturbação do funcionamento”, defendeu. “Não quero discutir a bondade da luta sobre estas questões, estou a discutir as formas.”

Nesta terça-feira, durante a manifestação na FCSH, a jornalista Sara Figueiredo Costa, ex-aluna daquela casa e co-fundadora do grupo Frente Grisalha, que apoia a luta climática, disse sentir-se “profundamente envergonhada” pelo que se sucedeu ali, revelado por um vídeo da manifestação a que o PÚBLICO teve acesso.

“Foi nesta faculdade que aprendi boa parte do que sei sobre cidadania, que aprendi que a política é o governo da polis e que a polis é feita por todas as pessoas que nela habitam. Foi nesta faculdade que participei em diversos movimentos estudantis […]. Agora, pelos vistos, é uma faculdade negacionista e reaccionária, mas nessa altura havia uma regra e essa regra foi sempre cumprida e a regra era ‘Não se chama a polícia para dentro da faculdade’”, disse Sara Figueiredo Costa. “Sinto-me profundamente envergonhada que a direcção desta faculdade tenha chamado a polícia para resolver um problema que deve ser resolvido aqui dentro, em discussão com as pessoas que pertencem a esta faculdade”, acrescentou.

Segundo o comunicado da FCSH, a instituição “é um espaço de liberdade, diversidade e debate”. Nesta noite, a faculdade terá mais uma oportunidade para mostrar como vai gerir essas três questões. Vão tentar pernoitar na faculdade “talvez 15 a 20 pessoas” da GCE, adiantou Leonor Chicó: “Vamos ficar cá. Esperamos que a faculdade tenha algum pingo de decência e não chame a polícia.”