Faculdades voltam a ser alvo de acções pelo clima, mas há quem diga “fora!”
Terceira vaga de ocupações começou nesta segunda e termina no dia 24 de Novembro, numa “visita de estudo” ao Ministério do Ambiente. Seis estudantes foram detidos na primeira noite de protestos.
Três tendas e algumas faixas instaladas à entrada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa mostravam, na manhã desta segunda-feira, que a luta estudantil pelo clima voltou a entrar numa fase mais quente. Durante a madrugada desta terça-feira, seis estudantes que tentaram pernoitar na faculdade foram retiradas do local pela polícia, detidas e, entretanto, já terão sido libertadas. "Enquanto os levavam para a esquadra, um dos carros da polícia atropelou um peão", referem os alunos em comunicado.
"Durante esta noite a polícia foi chamada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas para retirar seis estudantes que iriam pernoitar nesta como forma de protesto pacífico. Reivindicavam o fim aos combustíveis fósseis e electricidade 100% renovável e acessível até 2025, fazendo deste o Último Inverno em que usamos gás fóssil em Portugal", lê-se no documento divulgado nesta terça-feira pelas primeiras horas da manhã. Segundo o mesmo documento, os alunos "resistiram pacificamente para manter a ocupação, mas acabaram por ser retirados e detidos por volta da 1 da manhã". Os estudantes destacam ainda que, "enquanto saíam da escola, um dos carros da polícia com uma estudante detida atropelou um peão", que tal como a estudante detida foi assistido pelo INEM. As seis pessoas detidas foram libertadas esta manhã.
Depois de, nos últimos meses, haver interrupções de estradas, o bloqueio de uma reunião governamental e tinta verde atirada a ministros, segue-se agora a ocupação de faculdades, acções estudantis, conversas sobre a crise climática, mas também sobre a Palestina, e acções “disruptivas em instituições e processos governamentais” que vão culminar numa “visita de estudo” ao Ministério do Ambiente e da Acção Climática a 24 de Novembro.
Mais polarização, portanto, sobre o tema do activismo climático? “Essa polarização está na agenda pública e isso é muito importante. Mudanças profundas nunca são consensuais na sociedade. É preciso explicar às pessoas porque é que estamos a tocar o alarme e a dizer que estamos em emergência”, diz Leonor Chicó, da Greve Climática Estudantil (GCE), a um grupo de estudantes, que foram fazendo perguntas a três activistas da GCE.
Ao todo, seriam entre 40 e 50 jovens sentados nas cadeiras da esplanada da FCSH que formavam um pequeno auditório, numa aula improvisada sobre crise climática e Antropoceno, trazidos pelo investigador Daniel Cardoso, que lecciona naquela faculdade. Enquanto no céu, o som dos aviões, que passavam a períodos de tempo mais ou menos constantes, ia-se sobrepondo à conversa, Matilde Ventura trazia justamente a imagem de um avião a despenhar-se para explicar a necessidade da urgência das acções que o movimento está a fazer.
“É preciso entrar no cockpit para impedir que o avião se despenhe e salvar as pessoas de quem gostamos”, referiu a estudante de antropologia, dizendo mais do que uma vez que preferia estar a estudar, mas a crise climática sobrepôs-se ao que imaginou para a sua vida. Ou, como se lia numa das faixas expostas à entrada da FCSH, “sem futuro não há paz”.
Os objectivos desta onda de ocupações, depois da última que ocorreu na Primavera, é o fim do uso de combustíveis fósseis em Portugal até 2030 e a produção de 100% de energia eléctrica renovável para todos os cidadãos no país até 2025. Além da FCSH, estudantes das faculdades de Letras, Psicologia, Belas-Artes e Ciências da Universidade de Lisboa, o Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, a Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora, a Escola Secundária D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, e ainda estudantes da Universidade de Coimbra, estiveram ao longo de segunda-feira envolvidos em acções.
“Estamos a organizar-nos nos espaços que são nossos, nas escolas, para depois podermos mobilizar-nos para fora”, disse ao PÚBLICO Leonor Chicó, numa conversa fora da faculdade, depois de um assessor da FCSH proibir a comunicação social de fazer entrevistas dentro do recinto da instituição.
“A nossa proposta é parar a normalidade, é criar disrupção. Vamos parar o business as usual, para mostrar que não estamos em tempos normais e vivemos numa emergência”, afirmou a estudante de Antropologia, explicando que esta semana as acções seriam ligadas às instituições de educação, mas para a semana haverá “várias acções disruptivas fora das faculdades, em instituições e processos governamentais”, que vão convergir numa “visita de estudo” ao Ministério do Ambiente. “Tomamos o Ministério do Ambiente como forma de reivindicar um futuro e dizer que toda a gente, qualquer governo que entre naquele Ministério, tem que ter um plano de transição justo para travar o colapso. Se não, não tem legitimidade social para tomar posse e estar ali.”
Ensino superior “amorfo de ideias”
Ao longo do dia, foi havendo várias acções nas diferentes instituições de ensino. Quando o PÚBLICO chegou à Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL), por volta da hora do almoço, o pequeno núcleo de alunos que se encontrava na entrada da faculdade estava a desmontar as tendas que costumam marcar visualmente as ocupações.
“O director não nos deixa ter as tendas montadas. Diz que chama a polícia e que a faculdade não é um espaço para este tipo de luta”, disse ao PÚBLICO Teresa Cintra, estudante de Psicologia, referindo-se à conversa que teve com Telmo Mourinho Baptista. Antes, tinha havido um momento de bloqueio da porta de entrada da FPUL. “Isto é uma luta pela justiça climática, lutamos pelas nossas vidas”, esclareceu a estudante.
Mas a versão do director da FPUL é outra. “Na outra onda de protestos [da Primavera passada], os estudantes estiveram 15 dias dentro, com todas as condições, puderam pernoitar com custos adicionais para a faculdade”, explicou ao PÚBLICO Telmo Mourinho Baptista, por telefone, um dia depois do acontecido, apontando ainda que aquele protesto “redundou numa greve de fome de duas alunas, e para as quais chamei não as autoridades policiais, mas as autoridades de saúde”.
Desta vez, a Faculdade de Psicologia e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que partilham o edifício, tiveram outra posição. “Não temos a capacidade de estarmos continuamente a fazer isso, quando vemos a faculdade várias vezes vandalizada, com inscrições que depois têm que ser apagadas, quando vemos intervenções que têm custos para nós”, admite, referindo ainda que este é um período mais intenso, quando os alunos estão a defender os mestrados. “Quando se fecha a faculdade, quando se tenta impedir as pessoas de entrar em aulas, como aconteceu ontem, há uma perturbação do funcionamento.”
Segundo o que contou Teresa Cintra, na conversa que teve nesta segunda-feira com o director, este teria dito que “o relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês) é catastrofista”, parecendo estar a desvalorizar a luta. Mas, ao PÚBLICO, Telmo Mourinho Baptista explicou que disse outra coisa: “O que estava a falar com a aluna, apelando a que ela estudasse e aos seus conhecimentos de psicologia, enquanto aluna, é que pensasse como é que uma estratégia catastrofista é útil para uma luta deste género, não disse que o IPCC era catastrofista.”
“Não quero discutir a bondade da luta sobre estas questões, estou a discutir as formas”, adiantou ainda o director. Por isso é que está também contra as conversas marcadas nos espaços públicos da faculdade e pede para estes encontros serem agendados previamente numa sala. “À partida não teria problema nenhum, o problema é que isso redunda sempre noutra coisa. Ontem [na segunda-feira], às 14h, quatro alunos taparam as portas de acesso ao anfiteatro e impediram o início da aula. Mais uma vez não quiseram sair e tivemos que chamar a polícia”, exemplifica.
Um dos encontros que o núcleo da GCE da FPUL queria realizar nesta terça-feira era uma conversa com uma activista palestiniana. Para Teresa Cintra, é chocante estar-se “a assistir a tantas mortes [em Gaza] e pedirem-nos para continuarmos a agir normalmente”, referiu. “Não sei quando é que o ensino superior se tornou um lugar tão amorfo de ideias e de debates.”
Mais uma vez, Telmo Mourinho Baptista discordou da posição da aluna. O ensino superior “é provavelmente o único sítio onde há mais ideias e mais debates e mais pensamento crítico”, defendeu, inclusive sobre as alterações ambientais, aponta. “Já sugeri no passado com os alunos que tivessem propostas concretas sobre como é que poderiam discutir as questões [do ambiente] em termos daquilo que é o currículo. Não vi nada até hoje”, referiu.
Caminhando uns minutos da FPUL até ao Iscte, foi possível ver parte da abertura das acções de protesto naquele instituto. Matilde Alvim, estudante de Antropologia da instituição, usou um altifalante para comunicar com os alunos que estavam àquela hora no pátio do Iscte.
“A nossa casa está em chamas. Continuamos a ir às aulas como se a humanidade não estivesse a arder”, disse a activista. “Os governos e instituições não nos estão a proteger e não estamos sob controlo. Eu sei que tu que estás a ouvir tens medo, tal como eu. É preciso reunir a nossa coragem para agir. Precisamos parar a nossa normalidade para realmente conseguir enfrentar esta crise. Temos de mudar tudo antes que tudo mude por nós.”
Apesar de algumas dezenas de pessoas estarem a assistir ao discurso, o pedido seguinte para se organizarem “conversas a três sobre o clima”, feito por outro estudante, fez esvaziar o público. Ao todo, ficaram apenas oito estudantes numa roda de cadeiras a conversar.
O mesmo sinal de pouca adesão era aparente no pátio da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), a meio da tarde. Apesar de estar escrito a rosa, numa das paredes, “fim ao fóssil até 2030”, a maioria dos estudantes estava a conversar nas mesas da esplanada, alguns jogavam matraquilhos. Apenas seis alunas ouviam uma exposição sobre a história do capitalismo e a ligação com a crise climática, numa acção promovida pelo núcleo da GCL da FBAUL.
“O auditório está ocupado”
Ao fim da tarde, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) voltou a ver o seu director envolvido na luta climática. Há cerca de um ano, quatro alunos foram detidos por se colarem ao chão da FLUL, depois de a polícia entrar no recinto a pedido de Miguel Tamen, director da instituição. Agora, numa aula de Textos Fundamentais, dada excepcionalmente nesta segunda-feira por Miguel Tamen, nove activistas da GCE subiram ao palco do auditório da FLUL, estenderam uma tenda e disseram “o auditório está ocupado”, aproveitando para chamar “negacionista” ao director.
“Não desistimos. Não podemos dar paz a quem não nos dá um futuro”, disseram os activistas, criticando as “instituições que deveriam zelar” por eles, que não os defendem do que “realmente importa”, a crise climática. Mas a resposta generalizada do auditório foi contra a intervenção. “Nós estamos a assistir a uma aula”, disse uma aluna. “Fora, fora!”, gritaram vários estudantes.
“Talvez as pessoas que estão a assistir possam escolher entre o La Princesse de Clèves ou coisas realmente relevantes”, disse Miguel Tamen, referindo-se ao romance francês, de Madame de La Fayette, publicado em 1678, que estava a apresentar momentos antes.
“Isto somos nós a tentar abrir uma conversa, com todos os outros estudantes que estudam na faculdade”, disse Matilde Alvim, que também fez parte do grupo de estudantes activistas que subiram ao palco. “Estamos a utilizar estes métodos porque as instituições, os governos, não nos estão a ouvir, e a sociedade não está a agir.”
“Mas não é assim que vão ouvir”, respondeu um estudante no auditório. Os comentários continuaram, com estudantes a referir que aquele tempo e aquela aula eram importantes para eles. “Estou a pagar muito dinheiro que não devia pagar, propinas que não devia pagar”, queixou-se uma estudante, que foi aplaudida pelo auditório, em resposta.
“As pessoas que querem ouvir esta conversa poderiam levantar o braço para saber quem quer ouvir esta conversa. Eu faço aquilo que a maioria decidir”, disse Miguel Tamen. No auditório, quando foi proposta a votação, muito poucos levantaram o braço. Os activistas decidiram por isso retirar-se da aula, convidando os alunos no auditório a virem conversar sobre a crise climática fora da sala. Um convite que não foi ouvido. Fora do auditório, com a tenda montada, os activistas decidiram esperar pelo fim da aula. Talvez algum aluno do auditório se juntasse, depois.
“Temos um grande problema com a indústria fóssil. Estamos num ponto crucial e precisamos urgentemente de parar antes de alcançarmos os 1,5 graus de aquecimento que é um ponto sem retorno”, explicou ao PÚBLICO Mónica Lapa, porta-voz do núcleo da GCE da FLUL, que observa uma recusa em abraçar aquela causa. “No fundo, o que aconteceu aqui foi uma demonstração dessa recusa que existe não só nas instituições, mas no resto das pessoas que vivem dentro delas e que são guiadas por elas”, disse, interpretando a falta de receptividade dos alunos no auditório, que pareciam estar fartos deste tipo de manifestações.
Porquê esta recusa? “O meu futuro académico, profissional, é uma coisa que consigo imaginar, se calhar esta realidade das alterações climáticas é uma coisa que para a maior parte das pessoas é bastante invisível. E daí parte a recusa, também pelo ritmo com que a vida anda, guiado por isto”, tentou explicar a estudante, que está no primeiro ano da licenciatura de Estudos Gerais. Mas Mónica Lapa acredita na estratégia que estão a usar: “Criar disrupção para causar um distúrbio nesta constante em que vivemos e que não nos deixa resolver estes problemas [da crise climática], que estão entranhados no meio dela.”
Notícia actualizada com a informação sobre a detenção de seis estudantes durante a noite.
Notícia actualizada às 18h30 com as declarações de Telmo Mourinho Baptista. O PÚBLICO tinha questionado a FPUL na segunda-feira, mas não tinha obtido resposta até ao momento da publicação do artigo.