Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas
Os efeitos das alterações climáticas já são uma realidade no Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém, em Lisboa. Relatório apresentado nesta segunda-feira aponta medidas a tomar.
Quando há chuvas torrenciais ou ondas de calor, a fila de visitantes no Mosteiro dos Jerónimos é quase impossível de controlar. As tempestades cada vez mais frequentes têm sido um desafio para o sistema eléctrico e de segurança da Torre de Belém. E a subida do nível do mar e o impacto das ondas estão a causar danos nas estruturas arquitectónicas dessa fortificação. Estes são alguns efeitos das alterações climáticas nos dois monumentos de Lisboa mencionados num relatório apresentado esta segunda-feira, no Mosteiro dos Jerónimos.
O relatório não se fica pela identificação dos efeitos que estão já a ser vividos, mas também aponta medidas para minimizar as consequências das alterações climáticas. A plantação de árvores e a remoção de asfalto em frente ao Mosteiro dos Jerónimos ou a projecção de uma estrutura que sirva de barreira ao impacto das ondas na Torre de Belém são algumas das acções recomendadas.
“O Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém têm uma trajectória histórica de mais de 500 anos e são sistemas construtivos que suscitam cuidados na relação com os sistemas naturais”, introduz Dalila Rodrigues, directora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém. E quando menciona sistemas naturais, Dalila Rodrigues está a falar dos efeitos das alterações climáticas que vivemos hoje: “Este tema não é uma ficção narrativa do futuro, é uma realidade do presente.”
Foi com isso em mente que se iniciou em Setembro deste ano uma avaliação do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém quanto aos desafios colocados pelas alterações climáticas. Este estudo foi proporcionado pela embaixada dos Estados Unidos em Portugal e teve como autora Barbara Judy, arquitecta e especialista na análise dos efeitos das alterações climáticas em património em ambientes costeiros do Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos. Teve ainda a colaboração da equipa do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém.
Nesses três meses, Barbara Judy começou por conhecer os monumentos e fez uma revisão da sua história. Também observou o seu estado físico e o ambiente envolvente, como os visitantes e os sistemas naturais que os afectam. Além disso, estudou relatórios científicos que mostram como os sistemas naturais estão a mudar em Portugal.
As conclusões dessa investigação são agora reveladas e dividem-se em três partes: a segurança e bem-estar dos visitantes; a subida do mar e a acção das ondas; e a condição das águas subterrâneas.
Chuva e calor excessivos nas filas
A questão das visitas é uma das partes de destaque no relatório. Num resumo sobre o trabalho, realça-se o aspecto positivo do grande interesse do público em visitar os monumentos. Contudo, aponta-se como preocupação a exposição ao calor e às chuvas intensas a que pode estar sujeito.
Barbara Judy assinala precisamente o aumento global da temperatura do ar que também afecta Lisboa e que pode ter consequências nos visitantes. “O calor excessivo tem um potencial de impacto na saúde num contexto em que os visitantes são colocados em longas filas para entrar nos monumentos”, refere ao PÚBLICO a arquitecta.
As tempestades cada vez mais frequentes são outros dos desafios para as filas de visitantes. “As chuvas torrenciais fazem com que as pessoas se precipitem, furiosamente, sem respeitar a lugares, para as entradas dos monumentos, exercendo uma pressão que temos que prevenir”, descreve Dalila Rodrigues.
Para evitar que situações como estas aconteçam, o relatório aponta como resposta a criação de abrigos ou protecção para visitantes nas filas, assim como a contagem e informação do tempo de espera para entrada nos monumentos.
Dalila Rodrigues indica que a requalificação do espaço fronteiro ao Mosteiro dos Jerónimos seria uma das soluções, nomeadamente a plantação de árvores e a remoção de asfalto em frente ao monumento. “A plantação de uma linha de árvores de folha caduca, paralela à fachada sul do Mosteiro dos Jerónimos, com porte adequado ao sombreamento dos turistas que aguardam ao sol, com temperaturas muito elevadas, assim como a remoção do asfalto no mesmo espaço fronteiro, para eliminar a absorção e a irradiação de calor, são soluções de mitigação e de valorização patrimonial que urge adoptar”, considera a directora. Sobre as árvores, refere que uma série de documentos visuais dos séculos XVIII e XIX confirma a existência de árvores com essas características.
O encerramento em determinados períodos de extremo calor ou de tempestades pode ser também uma solução de mitigação dos efeitos das alterações climáticas para estes monumentos. Por exemplo, a Torre de Belém já encerra em períodos de tempestade e quando a maré está alta.
Subida do nível do mar e impacto das ondas
A subida do nível do mar e as tempestades estão a acelerar a erosão das estruturas arquitectónicas da Torre de Belém. “A subida do nível do mar é um aspecto das alterações climáticas na Torre de Belém, dada a sua localização no estuário do rio Tejo”, nota Barbara Judy.
Dalila Rodrigues relembra que a Torre de Belém foi construída no rio, sobre um afloramento basáltico, mas que na época tinha uma função defensiva e estava adaptada a um sistema natural com outras características. Hoje, é um edifício musealizado que tem caixilharias e vidros nos vãos que inicialmente proporcionavam o disparo em tiro rasante. Como tal, o sistema eléctrico e de dispositivos de segurança não são compatíveis com as inundações causadas por tempestades. Isso aconteceu com a tempestade Alex, em Outubro de 2020, causando o encerramento do monumento durante um ano.
Já são visíveis também os impactos das ondas, sobretudo, nas paredes da Torre de Belém que estão voltadas para a foz do rio Tejo. Mesmo assim, existem problemas na zona inferior em todas elas. Para além dos factores que resultam das alterações climáticas dos sistemas naturais, há ainda o impacto de uma ondulação permanente vinda das actividades desportivas praticadas nas proximidades do monumento ou da entrada permanente de cruzeiros.
Tendo em conta estes efeitos, indica-se que, além da conservação da alvenaria, devem ser feitos estudos de engenharia e vir a ser projectada uma estrutura que sirva de barreira ao primeiro impacto das ondas no monumento.
Ambiente subterrâneo em mudança
A pressão da subida do nível do mar está a mudar o ambiente subterrâneo nas zonas costeiras e imediações. As águas subterrâneas perto da costa também sobem e podem atingir as estruturas fundacionais (alicerces) dos edifícios. Os solos que sustentam as bases dos edifícios ficam saturados e a sua capacidade de suporte diminui, podendo comprometer a estabilidade dos edifícios. É isso que pode acontecer com o Mosteiro dos Jerónimos e tem de ser estudado.
O relatório recomenda que, no futuro imediato, se façam estudos específicos sobre o ambiente subterrâneo do Mosteiro dos Jerónimos. Para já, observações ao monumento não indicam que haja problemas na sua base, mas há indicações de um ambiente subterrâneo em mudança na zona ribeirinha de Lisboa e nas imediações do mosteiro. Um exemplo aconteceu em Dezembro de 2022: com chuva forte, a capacidade dos solos do monumento absorverem águas da chuva pareceu comprometida.
O relatório agora apresentado vem confirmar o efeito das alterações climática no Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém, assim como alertar para novas situações. “O relatório resultante deste estudo é um importante instrumento de gestão do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém”, afirma Dalila Rodrigues. O documento mostra que é preciso dar prioridade ao planeamento de acções de adaptação às alterações climáticas.
Quanto a novas medidas de adaptação, a directora indica que, provavelmente, a partir de Janeiro de 2024 se poderão iniciar novas práticas de gestão, tendo como base o relatório, como a aplicação de um novo sistema de venda de bilhetes em que é possível fazer marcação prévia; o sombreamento e remoção de asfalto em frente ao mosteiro; e acções de conservação dos alicerces da Torre de Belém. Este estudo corresponde apenas uma primeira abordagem e terá uma continuação, adianta Dalila Rodrigues.