Espadarte, uma pescaria apontada ao futuro
Há poucas espécies marinhas tão facilmente reconhecíveis como o espadarte, com o seu bico pontiagudo, corpo alongado e fusiforme, barbatana caudal ampla e em forma de lua e tom escuro. A sua velocidade, força e propensão para dar saltos acrobáticos bem acima da água desde sempre deixaram os que andavam no mar perplexos, mas também com uma enorme vontade de entrar em épicos duelos com este mítico peixe. Esta relação é tão intensa e tempestuosa que inspirou Hemingway a escrever um dos melhores e mais conhecidos livros sobre a relação entre o ser humano e o mar – O Velho e o Mar.
O espadarte, de nome científico Xiphias gladius, é o que se pode considerar um “superpeixe”, capaz de regular a sua temperatura corporal e de atingir velocidades estonteantes e tamanhos colossais. Faz também parte dos chamados “grandes migradores”, tendo largas extensões de oceano aberto – as zonas pelágicas – como o seu habitat, percorrendo milhares de quilómetros para se reproduzir e saciar o seu apetite voraz.
Também há poucas espécies no Atlântico que tenham sido tão cobiçadas e alvo de pesca há tantas décadas, constituído parte da identidade de comunidades como Sesimbra, Peniche ou Viana do Castelo, e levando à criação de frotas importantes de palangreiros de superfície, navios que usam longas linhas com centenas de anzóis iscados para capturar esta e outras espécies.
A pescaria do espadarte em Portugal intensificou-se a partir de 1986, tendo atingido um máximo histórico de capturas superior às 20 mil toneladas no ano seguinte. No entanto, e tal como outras espécies capturadas historicamente, como o atum-rabilho ou o bacalhau, o espadarte sofreu os impactos da sobrepesca prolongada e começou a entrar em declínio nos anos seguintes. Apesar de uma ligeira recuperação em anos recentes, a espécie continua a necessitar de atenção particular e as quantidades que a ciência aconselha como seguras de capturar continuam longe do que era capturado outrora. Inevitavelmente, a frota que tinha esta espécie como alvo começou igualmente a focar o seu esforço noutras espécies, nomeadamente a tintureira, também conhecida como tubarão-azul.
Atualmente, a gestão da pesca do espadarte no Atlântico é feita no âmbito da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (CICTA – ICCAT em inglês), a organização no âmbito das Nações Unidas que é responsável pela gestão da pesca das grandes espécies pelágicas no Oceano Atlântico. Os mais de 50 membros da ICCAT – entre as quais a União Europeia (UE) e Portugal – voltarão a juntar-se para a sua reunião anual, desta feita no Cairo, entre 13 e 20 de novembro, onde terão de ser tomadas decisões que podem ajudar a pesca do espadarte a abraçar a sustentabilidade e a tornar-se numa das pescarias exemplares do Atlântico.
Em primeiro lugar, poderá ser aprovado um procedimento de gestão para o espadarte do Atlântico Norte. Os procedimentos de gestão são aquilo que pode ser considerado “gestão de pesca 2.0”, já que permitem aumentar a previsibilidade e precaução dos pareceres científicos, bem como incorporar objetivos de conservação. A ICCAT tem estado na linha da frente na adoção destas medidas de gestão, tendo no ano passado adotado esta medida para um dos stocks mais emblemáticos sob a sua jurisdição – o atum-rabilho do Atlântico Norte.
Os procedimentos de gestão têm como base um complexo e minucioso modelo matemático. No caso do espadarte, o processo de desenvolvimento e testagem deste modelo foi liderado por investigadores do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), demonstrando que quando devidamente apoiada, a ciência pesqueira portuguesa pode dar o devido sustento científico necessário à gestão da pesca a nível nacional, mas também dar cartas a nível internacional.
Nesta reunião anual a ICCAT terá de tomar outra decisão crucial não apenas para a saúde dos ecossistemas pelágicos do Atlântico, mas também para a sustentabilidade a médio prazo da frota de palangre nacional. Depois de anos de capturas elevadas, em parte motivadas pelo declínio do espadarte, as populações de tintureira necessitam urgentemente que sejam estabelecidos limites de captura mais baixos, em linha com o que é aconselhado pela ciência.
Finalmente, a União Europeia e Portugal em particular devem lutar para que sejam reforçadas a nível da ICCAT as disposições relativas à monitorização eletrónica remota, à cobertura de observadores a bordo e à harmonização dos protocolos que permitem as inspeções a bordo em alto mar. De resto, a revisão recentemente aprovada do regulamento de controlo de pesca da UE pretende precisamente pôr as frotas europeias no caminho da digitalização, rastreabilidade e responsabilização, protegendo os pescadores e frotas que cumprem as leis e respeitam a ciência. Com estas medidas aprovadas e implementadas, o sector e os operadores comerciais podem depois colher os frutos, diferenciando e valorizando o seu produto.
Assim, Portugal, a União Europeia e os países que compõem a ICCAT têm na reunião das próximas semanas uma oportunidade soberana de afirmar que as frotas que capturam espadarte e tintureira estão totalmente comprometidas com a gestão de pesca precaucionária e de impacto reduzido na saúde dos ecossistemas marinhos, mas também com a transparência e monitorização total. Só assim poderá ficar demonstrado que a pescaria do espadarte tem lugar no século XXI.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico