AIMA abre possibilidade de reagrupamento familiar a quem tem visto CPLP
Até agora quem tem certificado de autorização de residência para cidadãos da CPLP ouvia que os serviços aguardavam clarificação. Brasileiros entre os mais afectados.
Embora o reagrupamento familiar esteja previsto para qualquer cidadão com residência válida em Portugal, quem possui certificado de autorização de residência para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem ficado de fora. Questionada pelo PÚBLICO, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) não se pronunciou sobre o que tem sido a prática do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que substituiu no passado dia 29 de Outubro. Mas esclareceu que agora qualquer pessoa com residência válida tem direito ao reagrupamento com os membros da família que dela dependam ou que com ela coabitem.
A distinção entre estrangeiros com residência CPLP e estrangeiros com outras modalidades tem causado protestos. Isso nota-se sobretudo entre a população brasileira.
Há uma iniciativa legislativa destinada a e a dar início ao processo de reagrupamento familiar de portadores deste título de residência, criar um cartão de identificação nacional conforme as regras europeia, notificar a União Europeia. A proposta, acessível na página www.participação.parlamento.pt, reúne perto de três mil assinaturas.
Essa acção cidadã partiu de Célio Sauer, um advogado brasileiro residente em Portugal que se dedica à obtenção de vários tipos de vistos, autorizações de residências e nacionalidade portuguesa. “Tenho uma conta de Instagram que é bem activa e as pessoas costumam mandar opiniões, reclamações”, começa por dizer.
Têm-lhe chegado “muitas queixas” sobre o certificado de autorização de residência CPLP. “As pessoas têm a sensação de que foram enganadas. Primeiro por uma confusão que houve num informativo do Alto Comissariado para as Migrações [ACM, agora integrado na AIMA]. Segundo, porque falaram que ia ser possível fazer reagrupamento familiar e até agora não foi possível.”
O certificado de autorização de residência CPLP é uma folha A4 com um QR Code e o selo branco da República Portuguesa. Não é um cartão com fotografia e dados biométricos, não habilita a circular no Espaço Schengen, como inicialmente veiculado pelo ACM. Garante, porém, o direito ao reagrupamento familiar. O SEF foi alegando estar a aguardar clarificação de procedimentos, explicação que ainda se pode encontrar na página do ACM.
Num instante, Célio Sauer indica uma série de casos. Veja-se o de Aline Lima, que veio do Brasil em Março de 2022 com o marido. Ele viajou com uma promessa de emprego. Começou a trabalhar como operário fabril, apresentando uma manifestação de interesse numa autorização de residência no SEF. Aline fez o mesmo, volvidos sete meses, mal encontrou trabalho numa fábrica. Ficaram a aguardar agendamento, como milhares de outras pessoas. Nem hesitaram em Março deste ano, quando foi lançado o portal que facilitava a autorização de residência a cidadãos da CPLP.
O título dela veio logo. Decorrido um mês, o filho, de oito anos, estava a aterrar em Portugal. Aline não teve dificuldade em matriculá-lo na escola mais próxima. “Foi bem tranquilo.” Mas o rapaz não recebe abono, nem tem médico de família. “Falam que tem de ter autorização de residência.” Para isso, era preciso que as vagas de reagrupamento familiar ficassem abertas a titulares CPLP.
Filhos sem direito a abono
Experiência semelhante relata Danielle Maturano, que veio do Brasil para Portugal em Setembro de 2022. Ela trabalha como operária fabril e o marido como soldador. “Optámos pela CPLP achando que seria uma residência comum.” Estavam convencidos de que, obtida a autorização de residência, poderiam logo reagrupar os filhos, que vieram com eles.
Os meninos, de três e cinco anos, frequentam o pré-escolar. Além do dinheiro de abono que não recebem, há o dinheiro que gastam com o almoço e a participação nas actividades de animação e apoio à família na educação pré-escolar. “A gente paga 230 euros.” Se tivessem autorização de residência, teriam Acção Social. “A gente paga impostos, contribui para a Segurança Social, seria justo.”
Em causa nesta possibilidade de reagrupamento familiar podem estar “filhos menores ou incapazes”; “filhos maiores que sejam solteiros e se encontrem a estudar”; “ascendentes na linha recta e em 1.º grau”, mas também cônjuges, alguns em já território nacional.
O marido de Aline Lima não obteve a autorização de residência CPLP. Terá sido vítima de um erro informático. Depois de vários emails, como não conseguiam simplesmente reagrupá-lo, concluíram que melhor seria voltar a apresentar uma manifestação de interesse.
Leidisane Ferreira está a passar pelo mesmo. Chegou em Julho de 2022 com o marido. Encontraram logo trabalho, ela como operadora de armazém, ele como serralheiro. E também só ela conseguiu obter autorização de residência CPLP. “Quando estava a solicitar a dele, havia muita gente. O sistema caiu. Depois, começou a aparecer que não dava.” Suspeita que adicionou várias vezes os mesmos documentos e que isso gerou divergência.
Fez tudo o que lhe ocorreu. “Mandei emails, liguei, fui lá, mas ninguém conseguiu resolver.” Voltar a apresentar manifestação de interesse parece-lhe andar para trás. “Através da minha CPLP, quero reagrupar ele para ele ter direito a [número de] utente [do Serviço Nacional de Saúde], médico de família, atendimento digno no centro de saúde. E para ele conseguir um trabalho melhor.”
O mais comum é os titulares deste visto terem entrado como turistas e apresentado manifestação de interesse na residência no portal do extinto SEF, como Aline, Danielle ou Leidisane. Todavia, há quem tenha seguido o caminho regular, pedido visto no consulado antes de viajar para Portugal, como Eurico Júnior.
Eurico Júnior pediu um visto de procura de trabalho. A entrega de documentos para a autorização de residência fora agendada em Cascais e ele instalara-se em São João da Pesqueira. Julgando que a autorização de residência CPLP seria igual, optou por pedi-la, sempre poupava o incómodo daquela deslocação.
“Tenho contrato de trabalhos sem termo, tenho rendimentos suficientes, mas, com autorização de residência CPLP, não estou conseguindo fazer o reagrupamento familiar”, lamenta. A mulher e o filho de sete anos ainda não estão numa situação irregular, encontram-se há menos de seis meses no território nacional, mas o engenheiro de software está preocupado com essa possibilidade, “esperando os desenrolares todos da nova agência”.
As últimas vagas esgotaram-se em poucos dias. Quando se pergunta se há mais, a AIMA não responde directamente à pergunta. Segundo a agência, este ano foram ocupadas mais de 15 mil vagas e até Janeiro de 2024 estão ocupadas outras 5500. Afirma ainda que o reagrupamento familiar é “um dos grandes eixos da acção prioritária” da agência, “a par da celeridade na emissão dos documentos, da promoção da aprendizagem da língua portuguesa e da simplificação do reconhecimento de qualificações e competências”. “Nesse sentido”, acrescenta a AIMA, “haverá uma grande aposta em matéria tecnológica, com novidades a anunciar em breve, assim como na criação de parcerias com as autarquias e a sociedade civil”.