Astrónoma quer apagar dos céus o nome de Fernão de Magalhães, “colonizador e assassino”

Uma astrónoma norte-americana pede que nomes da Pequena e da Grande Nuvem de Magalhães sejam mudados e diz ter o apoio de um grupo mais alargado de colegas.

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Na imagem, é possível ver a Grande Nuvem de Magalhães, uma pequena galáxia satélite da Via Láctea que está localizada a cerca de 160 mil anos-luz da Terra Reuters/Harvard-Smithsonian Center for A
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Uma astrónoma norte-americana quer pedir à União Astronómica Internacional, o órgão responsável por nomear os objectos astronómicos, para apagar dos céus o nome do navegador português Fernão de Magalhães — que considera ser um "colonialista, traficante de escravos e assassino".

As duas galáxias satélites mais brilhantes da Via Láctea, visíveis a olho nu no hemisfério sul, foram baptizadas em homenagem a Magalhães. A Pequena e Grande Nuvem (de Magalhães) foram usadas como ponto de orientação por muitos navegadores e são mencionadas nas notas de Antonio Pigafetta, o cronista italiano que acompanhou a primeira viagem de circum-navegação do planeta, pela qual Magalhães ficou conhecido.

Agora, uma docente na Universidade Amherst, Massachusetts, nos EUA, diz que a beleza destes objectos estrelados está a ser "obscurecida" pelo nome que receberam, que "homenageia um violento colonizador", e apela à comunidade científica para renomear estas galáxias, bem como outros objectos astronómicos, instituições e instalações que tenham o nome do explorador do século XVI. Mia de los Reyes disse ao site Space.com que um grupo com cerca de meia centena de pessoas tem trocado e-mails sobre o tema, com o objectivo de pedir a mudança de nome.

Como descreve o The Guardian este domingo, Mia de los Reyes acredita que o português não merece esta "distinção celestial" e ter o "seu nome escrito nas estrelas".

A questão foi colocada num artigo de opinião publicado na revista APS Physics, em que Reyes escreve que Magalhães cometeu "actos horríveis" nos territórios que hoje são Guam e as Filipinas. "Ele e os seus homens queimaram aldeias e mataram os seus habitantes”, aponta, dizendo também que "Magalhães não era astrónomo e não foi o primeiro a documentar estas galáxias".

"Os povos indígenas em todo o Hemisfério Sul têm nomes e lendas para estes sistemas que são de milhares de anos anteriores a Magalhães. A tripulação de Magalhães também não foi a primeira equipa ocidental a escrever sobre as duas galáxias. Sabe-se que exploradores árabes e italianos descreveram as galáxias pelo menos uma década antes de Magalhães embarcar na sua viagem".

Ao site Space.com, o professor David Hogg, da Universidade de Nova Iorque, diz que não são apenas as acções de Magalhães que deveriam levar à mudança de nome, mas sim o facto de as galáxias satélite não terem sido descobertas pelo explorador.

Magalhães liderou, em 1519, a expedição espanhola que conseguiu completar a primeira viagem europeia para a Ásia através do Pacífico, mas morreu numa batalha, em 1521, nas actuais Filipinas. “Eu e muitos outros astrónomos acreditamos que objectos e instalações astronómicas não deveriam receber o nome de Magalhães, ou de qualquer outra pessoa com um legado colonialista violento”, escreve Mia de los Reyes.

Segundo a docente, que cita o relato em primeira mão de Pigafetta, "Magalhães escravizou o povo nativo Tehuelche", que vivia no território que actualmente é a Argentina. No documento, é descrito um momento em que o explorador colocou algemas de ferro nos homens “mais jovens e de melhor proporção”, dizendo-lhes que o objecto era um presente.

Reyes explica que, apesar destas acções, Magalhães foi e continua a ser "amplamente homenageado no campo da astronomia" e que o seu nome parece actualmente em mais de 17 mil artigos académicos já revistos ​​por pares e também foi dado a outros objectos astronómicos. São exemplos uma cratera lunar e uma cratera marciana, uma nave da NASA, os telescópios gémeos de 6,5 metros e um terceiro telescópio gigante que ainda está a ser construído, todos localizados no Chile.

"Quando defendemos os nomes de pessoas cujas vidas e legados causaram danos, como Magalhães, alienamos as comunidades que foram prejudicadas. As comunidades que sofreram por causa de Magalhães têm tradições astronómicas ricas que são muitas vezes menos valorizadas do que as ocidentais", refere ainda a professora.

Também a NASA enfrentou críticas, por ter dado o nome de James Webb ao telescópio que enviou para espaço em 2021, por vários cientistas que alegam que Webb esteve relacionado com o Lavender Scare, período de perseguição da comunidade LGBTQ+ nos anos 50 e 60, nos Estados Unidos. Em 2022 a NASA anunciou que não tencionava mudar o nome do telescópio, afirmando que não encontrou provas que ligassem Webb a qualquer despedimento de funcionários devido à sua orientação sexual.

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